Parlamento cabo-verdiano investiga programa habitacional financiado por Portugal
O parlamento cabo-verdiano vai criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao programa habitacional lançado pelo anterior Governo do PAICV, financiado por Portugal em 200 milhões de euros, para averiguar as verbas gastas e a sua transparência.
A proposta para esta CPI "Casa para Todos" foi feita pelo Movimento para a Democracia (MpD, maioria), de criação obrigatória, e será discutida na próxima sessão plenária ordinária da Assembleia Nacional, que vai decorrer de 22 a 24 de março, num programa executado igualmente por empresas portuguesas e que tem alimentado trocas de acusações entre os dois partidos desde que o MpD chegou ao poder, em 2016.
Em causa está um programa habitacional lançado em 2010 pelo Governo do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), liderado pelo então primeiro-ministro José Maria Neves, atual Presidente da República, cujo financiamento de 200 milhões de euros foi garantido por Portugal, através da Caixa Geral de Depósitos, para construção de 6.010 habitações sociais.
"O programa não foi precedido de estudos da sua viabilidade, da sua sustentabilidade e do seu impacto. Pelo que entendemos que um programa desta natureza, envolvendo tanto dinheiro, deveria ter sido antecedido de um conjunto de estudos que o justificasse", começa por afirmar o MpD no requerimento para criação desta CPI, a que a Lusa teve hoje acesso.
"O programa 'Casa para Todos' não cumpriu com o seu desiderato que deveria ser de minimizar o défice habitacional em Cabo Verde, disponibilizando soluções de habitação adequadas e em condições que facilitem o acesso por parte da população de baixo rendimento. Por isso, face à realidade da conjuntura económica e social do país, a generalidade das afirmações supra, o assunto exige um nível de investigação qualitativa e quantitativa, pelo que entendemos que se justifica um inquérito, com recurso a uma equipa pluridisciplinar, com sociólogos, animadores rurais e psicólogos, entre outros", lê-se.
No objeto desta CPI, o MpD pretende "averiguar o processo de construção das habitações sociais" no âmbito do programa, bem como dos termos do contrato assinado entre o Governo de Cabo Verde e Portugal para esse financiamento.
Também "averiguar o montante do contrato de financiamento assinado com o Governo português e as transações realizadas no âmbito desse financiamento ao Governo de Cabo Verde", bem como sobre "o número de habitações construídas e as suas especificidades", além de averiguar o perfil e o número dos beneficiários do programa Casa Para Todos, o preço por classes das habitações e da própria "viabilidade do programa".
No requerimento refere-se que o objetivo é também "averiguar se as informações relativas aos erros ou as falhas do Programa Casa para Todos que se vieram a constatar já eram do conhecimento Público ou se constam posteriormente dos estudos ou relatórios produzidos" e saber "qual o valor que Cabo Verde pagou ou tem a pagar no âmbito do financiamento" do mesmo e se o Governo de então "garantiu o cumprimento das leis vigentes no país neste processo e nos referidos negócios".
Esta CPI surge um mês depois de o PAICV, atual maior partido da oposição cabo-verdiana, ter apresentado uma queixa-crime por difamação contra uma deputada do MpD que acusou o anterior Governo do desvio de 100 milhões de euros num programa habitacional financiado por Portugal.
A queixa foi formalizada em 17 de fevereiro na Procuradoria da Comarca da Praia pelo secretário-geral, Julião Varela, e visa as declarações proferidas pela deputada Isa Costa em 10 de fevereiro último, no parlamento, durante a interpelação à ministra das Infraestruturas e Habitação.
Nessa intervenção, a deputada do Movimento para a Democracia (MpD), que suporta o Governo, disse ter havido um desvio de 100 milhões de euros do programa "Casa para Todos", equivalente a 50% do valor do crédito contraído junto de Portugal para esse efeito, durante a governação do PAICV (2001 a 2016).
"A denúncia da deputada é gratuita, falsa, caluniosa e vai ter de responder na Justiça pelas acusações irresponsáveis feitas ao PAICV. Tratando-se de uma deputada a fazer essa gravíssima acusação, impõe-se que ela apresente as provas desse desvio de modo que os prevaricadores possam ser responsabilizados e o país ressarcido", aponta ainda.
"Importa dizer que o crédito era gerido por Portugal e que os desembolsos feitos diretamente para a conta indicada pelo consórcio das empresas construtoras, portuguesas e cabo-verdianas, mediante faturação de obras realizadas e depois de comprovadas pela fiscalização e validadas pela IFH [imobiliária estatal cabo-verdiana]. Na verdade, Cabo Verde não consumiu os 200 milhões de euros, mas sim 159 milhões de euros", afirma o PAICV, sobre o período em que governou.
Acrescenta que em 2016, no momento da transição de Governo, 5.521 casas estavam acabadas ou em construção e que destas, 2.240 habitações já tinham sido completamente concluídas e rececionadas pela IFH. Por sua vez, "1.751 habitações, já tinham sido entregues às famílias, protegendo cerca de 10 mil pessoas" e "estavam consumidos 130 milhões de euros".
"Lamentavelmente, hoje sete anos depois, temos dezenas de casas de portas fechadas, o que demonstra uma grande incompetência deste Governo (...) em afetar essas casas a inúmeras famílias que continuam a viver em condições extremamente precárias, em barracas de papelão sem o mínimo de condições. Tudo mais que se disser são inverdades e especulações e o PAICV espera que a justiça seja célere na clarificação desta questão", concluiu o partido.