Defesa de militares do navio Mondego critica julgamento na praça pública
A defesa dos 13 militares que se recusaram a embarcar no navio Mondego considerou hoje inquietantes as declarações do chefe do Estado-Maior da Armada e criticou o "julgamento na praça pública" que tem sido feito pela Marinha.
Em declarações à agência Lusa, o advogado adiantou que os militares vão ser ouvidos pela Polícia Judiciária Militar (PJM) na segunda-feira, em Lisboa, no âmbito de inquérito criminal.
Paulo Graça referiu que a Marinha tem também procedimentos de natureza disciplinar em curso e que "as declarações do chefe de Estado-Maior da Armada são inquietantes" porque Gouveia e Melo "já exprimiu um juízo" sobre os factos que terão sido praticados, tendo "esse juízo sido exprimido sem que antes os visados tivessem oportunidade de dizer da sua justiça ou de se defenderem".
O advogado entende que aqueles militares estão "a ser julgados na praça pública", porquanto a "Marinha está há cinco dias a fazer passar uma determinada versão dos factos, que entende ser a versão correta, sem que ninguém tenha ouvido os interessados e o que eles têm a dizer relativamente a esta situação".
Na próxima segunda-feira, disse, "vai surgir a versão" que os militares têm relativamente aos factos que estiveram na origem deste caso, cumprindo-se o direito de defesa.
"As pessoas têm que saber que há uma acusação x contra elas e têm que se defender dessa acusação. Ora isso ainda não aconteceu, portanto não pode haver nenhum juízo nem absolutório, nem condenatório, porque nada disto ainda se passou", enfatizou Paulo Graça.
O NRP (Navio da República Portuguesa) Mondego não cumpriu no sábado à noite uma missão de acompanhamento de um navio russo a norte da ilha do Porto Santo, na Madeira, porque 13 dos militares da guarnição (quatro sargentos e nove praças) se recusaram embarcar por razões de segurança.
Em relação ao dever de obediência dos militares, o advogado contrapôs que "há limites [às ordens] porque não há direito sem limite", observando que "quando uma ordem ofende um princípio constitucional de um valor mais elevado pode legitimamente ser desobedecida [a ordem]".
Estando já agendada a inquirição dos militares, o advogado concluiu que houve por parte da Marinha "a participação de crimes de natureza militar ou de natureza essencialmente militar à PJM para que esta investigue sob a égide do Ministério Público".
Assim, o advogado admitiu que o processo relativo às ocorrências no navio Mondego vai desembocar nos tribunais comuns/civis, porque a "partir do momento em que a Marinha de Guerra participa os factos à PJM é muito natural que venha a ser instaurado procedimento criminal".
Em relação a eventuais medidas disciplinares que venham a ser aplicadas dentro da Marinha aos militares visados, o advogado salientou que estas "são recorríveis para os tribunais administrativos".
Contactado pela Lusa, o responsável das Relações Públicas da PJM, confirmou que "um conjunto de militares foi notificado para se apresentar na PJM na próxima segunda-feira", para serem "ouvidos por uma equipa de investigação criminal da PJM, no âmbito do inquérito crime".
Segundo a mesma fonte, trata-se de um crime de natureza "estritamente militar" e tem "natureza urgente".
Embora não tenham sido adiantados mais pormenores sobre tais imputações criminais, estará em causa infrações ao Código de Justiça Militar respeitantes à "insubordinação por desobediência" e "insubordinação por prisão ilegal ou rigor ilegítimo".
O chefe da Armada, Gouveia e Melo, em declarações hoje no Porto do Funchal, criticou os militares do navio Mondego que desobedeceram às ordens, dizendo que o caso é de "uma gravidade muito grande".
"A Marinha não pode esquecer, ignorar, ou perdoar atos de indisciplina, estejam os militares cansados, desmotivados ou preocupados com as suas próprias realidades", acentuou, questionando diretamente os militares revoltosos: "Que interesses os senhores defenderam? Os da Marinha não foram certamente, os vossos muito menos. Só unidos venceremos dificuldades e vocês desuniram-nos."
Entre as várias limitações técnicas invocadas pelos militares para se recusarem a embarcar no navio constava o facto de um motor e um gerador de energia elétrica estarem inoperacionais.
A Marinha confirmou que o NRP Mondego estava com "uma avaria num dos motores", mas referiu que os navios de guerra "podem operar em modo bastante degradado sem impacto na segurança", uma vez que têm "sistemas muito complexos e muito redundantes".