Funcionário Público - A candidatura ideal para continuar pobre
Foi já no longínquo dia 8 de outubro de 1975 que iniciei o meu percurso profissional.
Tudo começou na recepção de visitas do anteriormente chamado Hospital da Cruz de Carvalho. Fui para lá, como eventual, em substituição de um funcionário que estava temporariamente suspenso.
Foi por pouco tempo. No mês seguinte o Dr. Fonseca, Administrador do Hospital à data, me perguntou se eu sabia o abecedário e se era capaz de reorganizar o Ficheiro da Secretaria do Serviço de Urgência. Respondi que sim e… para lá fui.
A todo e qualquer paciente que lá entrasse, era preenchida a respectiva ficha de doente e, como não estava organizado, ficavam amontoadas em cima do móvel onde deviam estar arquivadas. Ora, isso originava sempre que alguém lá fosse, a criação de uma nova ficha, pois ninguém ia procurar pela antiga naquele amontoado desorganizado. Se um doente fosse à Urgência dez vezes num mês, eram criadas dez fichas. Enfim…
Concluído todo esse processo, fui convidado a fazer concurso de ingresso. Felizmente, consegui vaga no Quadro e passei a ser Funcionário efectivo.
Bons tempos. Nessa altura dava prazer trabalhar. Havia um ambiente salutar e fraterno. A amizade era verdadeira, sincera e sem tabus. Não havia diferenciação de classes. Havia sincronismo entre Médicos, Enfermeiros, Maqueiros e mesmo Técnicos de Radiologia ou Laboratório.
Nesse tempo, o Funcionário Público era respeitado e devidamente valorizado.
Só para avivar a memória, direi que quando me iniciei ganhava mais que o meu pai que já trabalhava no Comércio há mais de 30 anos. Um meu amigo, Empregado de Mesa no conceituado Hotel Reid’s, optou por mudar de emprego e vir trabalhar para o Armazém do Hospital onde ganharia mais.
Lembro que o Primeiro-Ministro da altura era Vasco Gonçalves, cargo que assumiu entre o segundo e quinto Governos Provisórios.
Muitos o chamaram “Louco”, mas a verdade é que foi ele o principal promotor das profundas alterações sociais e económicas implementadas nesse período em Portugal, no denominado “Gonçalvismo”, incluindo o salário mínimo, os subsídios de férias e desemprego e a licença de parto.
Com efeito, em 1975, só para lembrar àqueles que se fazem esquecidos, esse grande homem, apesar de desvalorizado por uma seita sobejamente conhecida, foi o responsável por um considerável aumento no salário mínimo nacional, que passou de 3.300 para 4.000 Escudos, um aumento superior a 20%. Vejam só!
Hoje não há comparação possível. O que antes era rentável, actualmente trabalhamos para empobrecer cada vez mais. O anterior companheirismo deu lugar a uma desenfreada competição. Há sempre alguém à espreita de um qualquer percalço para logo dar a “boa nova” ao superior hierárquico, na ilusória perspectiva de poder tirar daí algum dividendo. Pura ilusão. Não se dão conta o quanto isso pode se virar contra eles próprios, pois se todos procederem da mesma forma, daí apenas resultará um cardápio de informação que só serve a quem manda e nem sequer agradece tal dádiva.
Toda essa guerra por causa de um “inadequado” ponto. Sim, esse tal ponto que o SIADAP veio impingir.
Se motivos houvesse para a GREVE de hoje, esse já seria motivo mais que suficiente.
Será que alguém de bom senso, concorda marcar passo durante dez anos para apenas subir um único escalão? Sim, essa é a regra imposta a mais de 90% dos trabalhadores, com a famigerada criação de quotas. Vejam só, para subir 4 escalões, terão de dar o corpo ao manifesto durante 40 anos. Acham isso justo? Se houver alguém que esteja de acordo me diga. Ofereço um rebuçado, mas antes terá de fazer um exame na psiquiatria…
Caros colegas. Abram os olhos. Não se deixem ir na lábia das sereias cantantes que andam por aí à solta.
Façam como eu. Lutem. Lutem pelos vossos direitos e por aquilo que lhes é devido. Os utentes merecem o nosso esforço. Nós precisamos não de promessas, mas de uma real e verdadeira valorização por aquilo que somos e produzimos.
Tenho 47 anos de serviço. Estou à espera do que a Senhora Administradora do Conselho de Administração há dias prometeu. A ser verdade, esses 4 pontos à conta da COVID-19, tal como sucedeu com o pessoal de enfermagem, dar-me-ão a possibilidade de subir mais um Escalão. Não é que seja muito, mas mesmo assim, será a cereja no cimo do bolo, o culminar em beleza de um longo percurso de vida profissional, iniciado há 47 anos, sempre no SESARAM. Será mais um aconchego para que eu possa disfrutar da minha justa e merecida aposentação.
Lutando, por vezes se ganha. Não lutando, perde-se sempre.
José Carlos Rodrigues Ferreira