Chocado… mas não surpreendido
É por isso doloroso de ver que alguns não respeitaram esse altar e conspurcaram a fé de tantos
O recente relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa trouxe para a ordem do dia supostos atos que acabam por chocar qualquer comum mortal com o mínimo de valores. A mim particularmente, que nasci e cresci em Fátima, os relatos embora me choquem pela sua crueldade não me surpreendem. Passei parte da minha infância em colégios religiosos e em contacto permanente com pessoas ligadas à Igreja e desde bem cedo formulei uma opinião muito própria que me afastou dos eventos católicos que, fique bem claro, não devem ser confundidos com a fé que alguém possa ter em relação ao Cristianismo ou a qualquer tipo de Deus. São coisas bem diferentes. Cedo percebi que é impossível existirem representantes de Deus na Terra, seja em que religião for, porque qualquer um que assuma essa posição é tão humano como nós e por isso passível ao erro, sujeito às tentações e carregado de imperfeições que não se coadunam com a referência a um ser que supostamente nos guia de uma forma perfeita.
Vi padres e freiras bons e maus, pessoas de enorme valor e autênticos crápulas, autênticos guias espirituais bem intencionados e gente arrogante e pouco sensível. Tal como a sociedade. Uns melhores outros piores, uns que nos fazem acreditar mas outros que nos desiludem. Para mim que nunca segui cegamente nada, foi-me perfeitamente claro de perceber que nem todos eram iguais e que não lhes devia por igual o mesmo respeito ou consideração. Vi, infelizmente, ao contrário de mim, muita gente para quem a palavra de um sacerdote era lei e completamente incontestável. É por isso doloroso de ver que alguns não respeitaram esse altar e conspurcaram a fé de tantos que tantas vezes duvidaram da palavra dos próprios filhos por acharem ser impossível que certas atitudes fossem possíveis. Este embate frontal com a realidade que nos trouxe o ar do tempo, deixa muitos crentes numa encruzilhada péssima para a sociedade porque deixa muitos órfãos de uma referência que os guie e que os faça acreditar em algo que obrigue a bons comportamentos e boas práticas. Ainda assim, com tudo isto parece-me um pouco insólito tudo o que temos assistido nos últimos dias. De repente parece que ninguém se preocupou em perceber que a maioria dos nomes dos supostos abusadores ou estão mortos ou afastados da igreja e não é dada aos poucos que ainda em exercício são postos em causa a mesma presunção de inocência que é dada por lei a qualquer cidadão.
1. Estamos por isso perante um limbo de poderes, que vão digladiando entre si à procura de se aniquilar. Nada de novo. Altura perfeita para pensarmos pela nossa cabeça em vez de seguirmos o que nos tentam vender. Se é chocante o que vamos sabendo e muito mais não se saberá, também é igualmente verdade que a Igreja foi responsável por muitas ações beneméritas e por muita bondade que salvou muita gente. Devemos por isso tentar perceber o que é ou não verdade, não tentar julgar por impulso e esperar pelas conclusões do que aí virá, tendo como ponto de partida que muito terá que mudar na Igreja para se adaptar aos tempos que estamos a viver. Desde o casamento dos padres à igualdade que deve ser dada às mulheres. Este é o momento que irá definir o futuro do catolicismo.
Esta semana reunimos a Tertúlia do Tacho pela segunda vez. Agora em Setúbal no “Peixe no Largo”. O dono Vítor Campos é um ícone da cidade, com larga experiência em restauração desde os tempos da Marinha e no conhecido “Poço das Fontainhas”. Chegámos e o restaurante cheio obrigou-nos a esperar um pouco. Nada que nos incomodasse porque nos foi prestado serviço de entradas e bebida na esplanada. O choco frito tão famoso na cidade é para mim servido aqui de uma forma única. Uma fritura a ferver que deixa uma capa seca e estaladiça e um interior suculento como não se encontra em qualquer lado. Mas por aqui também se comem os melhores peixes grelhados com destaque para o Salmonete, um dos meus preferidos. Destaco no entanto o que distingue este espaço de todos os outros da cidade. A comida de tacho. Uma massa de sapateira de chorar, caldeirada de peixe, canja de garoupa ou raia à pescador. Eu que sou fã de comida de tacho fico de medida cheia com os sabores que aqui me são dados a experimentar.
Em Setúbal come-se bem em vários espaços, o peixe tem tudo para ser fresco pela proximidade com os pescadores. Mas depois há toda uma de confecionar que difere uns sítios de outros. Aqui não vai ao engano. É sempre bom. Desde os empregados simpáticos à cozinha criteriosa. A cereja no topo do bolo é no entanto a forma particular como o Vítor gere toda a azáfama. A conversa com os clientes frequentes, a piada que quebra o gelo, a explicação dos pratos ou a exigência dos produtos. Há sempre uma forma de estar que passa energia para todo o restaurante e o torna especial e aqui sente-se em cada momento. É o sítio certo se nos queremos sentir em casa. A conversa que se deu a seguir foi a sobremesa ideal entre amigos que adoram comer bem mas que não dispensam uma boa conversa. Foi uma escolha em cheio.