Espanha protege lei do aborto de medidas anti-IVG como as de Castela e Leão
A nova lei do aborto em Espanha vai instituir as baixas por menstruações dolorosas incapacitantes e proibir medidas anti-Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) como as anunciadas recentemente pela região de Castela e Leão, aprovou hoje o Senado espanhol.
O executivo regional de Castela e Leão, o único governo em Espanha de que a extrema-direita faz parte, através do partido VOX, anunciou no mês passado que iria passar a propor às mulheres que querem abortar na região a possibilidade de ouvirem "o bater do coração do bebé" e de verem o feto numa ecografia 4D.
O novo protocolo para o aborto em Castela e Leão não avançou até agora, depois de dias de críticas por parte de associações, médicos e a generalidade dos partidos espanhóis, incluindo o parceiro de coligação do VOX na região, o Partido Popular (PP, direita).
A lei do aborto está a ser revista nas Cortes espanholas, que tem duas câmaras - o Congresso dos Deputados (a câmara baixa do parlamento) e o Senado (a câmara alta).
O debate e votação no Congresso já havia decorrido em dezembro e hoje a nova lei chegou ao plenário do Senado, que não se limitou a ratificar a versão que recebeu dos deputados e introduziu uma emenda para blindar a lei de decisões dos governos regionais que tentem limitar o acesso ao aborto ou condicionar a decisão da mulher, como pretendia o VOX em Castela e Leão.
A iniciativa foi dos senadores do partido socialista (PSOE, à frente do Governo nacional) e a nova emenda passará a impedir que as mulheres que queiram fazer um aborto sejam submetidas a práticas "não científicas" para condicionar a sua decisão, como ouvir o batimento cardíaco do feto ou fazer uma ecografia 4D (com quatro dimensões).
Por causa desta alteração, a lei terá agora de voltar ao Congresso dos Deputados para uma votação final antes de entrar em vigor.
A revisão da lei do aborto pretende garantir o acesso à IVG nos hospitais públicos de todo o país e institui o direito a baixas por menstruações dolorosas incapacitantes.
No caso do aborto, a revisão da "lei da saúde sexual e reprodutiva e da interrupção voluntária da gravidez" pretende acabar com os obstáculos que atualmente limitam, na prática, a IVG em hospitais públicos em Espanha, regulando, entre outras coisas, o exercício da objeção de consciência dos profissionais de saúde.
"A imensa maioria das interrupções voluntárias da gravidez" em Espanha, 78,04%, faziam-se, em 2020, em clínicas e hospitais privados, segundo se lê no texto introdutório da revisão da lei.
O mesmo texto acrescenta que há regiões em Espanha em que "nos últimos anos não se registou nenhuma interrupção voluntária da gravidez" em unidades de saúde públicas.
Para contornar este obstáculo, a nova lei estabelece que todos os profissionais de saúde declarem por escrito se são ou não objetores de consciência e que essa declaração seja válida tanto quando trabalham no serviço nacional de saúde como em clínicas privadas.
Em função das declarações de objeção de consciência, os governos regionais têm depois de garantir que há sempre médicos e enfermeiros disponíveis nos hospitais públicos para uma mulher conseguir aceder à IVG na sua área de residência.
A nova legislação acaba também com o período de três dias de reflexão obrigatórios para as mulheres que pedem a IVG e aumenta o acesso à designada pílula do dia seguinte, tanto com maior disponibilização gratuita em determinados serviços de saúde e sociais, como com aumento da comparticipação.
Por outro lado, as raparigas com 16 e 17 anos voltam a poder aceder à IVG sem necessidade de autorização dos pais, como já aconteceu no passado, antes de uma alteração introduzida na lei do aborto espanhola por Governos do PP, em 2015.
A nova lei institui também uma série de direitos relacionados com "a saúde menstrual", com medidas consideradas inéditas na Europa.
As mulheres espanholas passarão a ter direito a baixas médias, totalmente pagas pela Segurança Social, de até cinco dias por causa de menstruações "dolorosas e incapacitantes" e serão distribuídos produtos de higiene menstrual em escolas, centros sociais ou prisões, por exemplo, para combater "a pobreza menstrual".
A legislação pretende reconhecer a "saúde menstrual" como parte do direito à saúde e combater o estigma que existe em relação à menstruação.
O PP opôs-se à revisão da lei do aborto, por considerar que é um retrocesso nos direitos das mulheres e que acabará por aumentar a sua "marginalização" no local de trabalho e no mercado laboral.
O Partido Popular condena também a abolição dos dias obrigatórios de reflexão entre o pedido do aborto e a sua concretização, que as raparigas de 16 e 17 anos possam aceder à IVG sem os pais ou aquilo que dizem ser a limitação da "liberdade de consciência dos médicos".
Também o VOX se opôs, por considerar que a nova lei "promove a cultura da morte".