Conselho Europeu sobre migração e economia mas com todas as atenções em Zelensky
Os líderes da União Europeia reúnem-se na quinta-feira, em Bruxelas, numa cimeira extraordinária convocada para discutir o fenómeno migratório e a situação económica, mas com todas as atenções viradas para a mais do que provável participação do Presidente ucraniano.
Por questões de segurança, a presença de Volodymyr Zelensky em Bruxelas não é oficialmente confirmada, mas várias fontes europeias dão como assegurada a participação do Presidente da Ucrânia no Conselho Europeu, cujo início foi antecipado para as 10:00 locais (09:00 de Lisboa), e que deverá terminar ainda na quinta-feira, em vez de se prolongar até sexta, como originalmente previsto.
Em Lisboa, o primeiro-ministro, António Costa, deu como confirmada a presença de Zelensky na reunião do Conselho Europeu de quinta-feira, em Bruxelas, afirmando que será uma oportunidade para "debater em conjunto não só o processo de apoio à Ucrânia para continuar a fazer frente à agressão por parte da Rússia, mas também as perspetivas europeias da Ucrânia".
O chefe do executivo português falava na Assembleia da República, no âmbito do debate preparatório da reunião do Conselho Europeu.
Depois do início da invasão russa, a 24 de fevereiro do ano passado, a primeira vez que Zelensky saiu do país foi em dezembro passado, para se deslocar aos Estados Unidos, estando neste momento a efetuar a sua segunda deslocação - hoje de manhã viajou de surpresa até Londres, e à noite encontrar-se-á em Paris com o Presidente francês, Emmanuel Macron, e com o chanceler alemão, Olaf Scholz. Seguir-se-á, naturalmente, Bruxelas, a 'capital' da União Europeia (UE).
A ida de Zelensky a Bruxelas está, contudo, rodeada de secretismo, tendo fontes do Conselho Europeu confirmado apenas, na passada segunda-feira à noite, que o presidente da instituição, Charles Michel, convidou o Presidente ucraniano "para participar presencialmente numa futura cimeira do Conselho Europeu", escusando-se a dar informações adicionais "por razões de segurança".
Em aberto está também ainda a possibilidade de o Presidente ucraniano se dirigir ao Parlamento Europeu, numa sessão extraordinária, mas apenas na quinta-feira irá ser conhecida a agenda de Zelensky, por "questões óbvias" de segurança, apontaram fontes europeias.
Esta cimeira extraordinária, anunciada por Charles Michel por ocasião da anterior reunião de chefes de Estado e de Governo dos 27, celebrada em dezembro último, tinha como os dois grandes pontos em agenda a resposta da UE à crescente pressão migratória nas suas fronteiras externas e a estratégia do bloco para aumentar a sua competitividade na transição climática, mas na agenda do Conselho surge agora como primeiro ponto "os mais recentes acontecimentos relacionados com a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia e a continuação do apoio da UE à Ucrânia".
A mais do que provável participação de Zelensky no Conselho Europeu ocorre na semana seguinte à cimeira UE-Ucrânia celebrada simbolicamente, a 03 de fevereiro, em Kiev, cidade que também recebeu, na véspera, uma reunião do colégio da Comissão Europeia liderado por Ursula von der Leyen com o Governo ucraniano.
Esta cimeira constituirá mais uma oportunidade para os 27 reafirmarem o seu apoio à Ucrânia, aos mais diversos níveis, incluindo militar, esperando-se que os chefes de Estado e de Governo dos 27 abordem também um novo pacote de sanções à Rússia, tendo Von der Leyen adiantado na semana passada, em Kiev, que a UE conta adotar o décimo pacote de sanções até 24 de fevereiro, data em que se assinala um ano desde o início da invasão da Ucrânia.
A nível das questões migratórias, o debate entre os 27 deverá centrar-se, desta feita, em soluções para travar a crescente pressão sobre as fronteiras externas da União.
Num debate preparatório da cimeira, realizado na semana passada no Parlamento Europeu, a presidente da Comissão Europeia assumiu a necessidade de a UE melhorar o sistema de repatriamento de migrantes irregulares, assim como de reforçar as fronteiras externas, face à "considerável pressão" que atualmente enfrenta.
A discussão sobre migrações terá como principal ângulo a forma de travar o aumento das chegadas à UE através de várias rotas migratórias e uma crescente pressão sobre os sistemas de asilo e acolhimento, tendo também em conta a taxa muito baixa de regressos de migrantes irregulares.
Reiterando que é "dever" da Europa assegurar que continua a ser "um espaço de proteção para aqueles que dela necessitam", Von der Leyen sublinhou, no entanto, que "os sistemas de asilo e de acolhimento nos Estados-membros estão sob uma pressão considerável" e "a verdade é que a maioria das pessoas que pedem asilo não necessitam de proteção, mas as taxas de regresso [aos países de origem a quem foi negado asilo] estão a um nível abaixo de 22%".
Nesse sentido, Von der Leyen adiantou na ocasião que a Comissão vai propor na cimeira aos Estados-membros "duas vertentes de trabalho separadas": uma é o processo legislativo, sendo o objetivo acelerar as negociações em torno do novo Pacto Migratório, que Bruxelas espera ver finalmente concluído e implementado dentro de um ano, e a outra passa por "ações operacionais que podem ser tomadas já".
"Em primeiro lugar, temos um interesse comum em fronteiras externas fortes. As questões mais prementes neste momento encontram-se na fronteira terrestre entre a Bulgária e a Turquia. Podemos reforçar as capacidades de gestão das fronteiras. Também podemos fornecer infraestruturas e equipamento, como 'drones' [aeronaves não tripuladas], radares e outros meios de vigilância. E podemos aumentar a presença da Frontex [agência europeia que coordena a gestão das fronteiras]", adiantou.
Relativamente à economia, os 27 debaterão sobretudo aquela que deve ser a resposta da UE aos planos de subvenções de grandes potências económicas, como Estados Unidos e China, para melhorar a competitividade do bloco comunitário, mas preservando o equilíbrio do mercado único, sendo que nesta altura são ainda muitas as divergências no seio da União e não são esperadas decisões neste Conselho Europeu.
No início do mês, Von der Leyen apresentou o "plano industrial do pacto ecológico europeu", a nova estratégia industrial proposta por Bruxelas para melhorar a competitividade da UE no palco global e apoiar a transição para a neutralidade climática.
Entendida por muitos como a resposta da UE ao plano de subvenções dos Estados Unidos -- a lei de combate à inflação (IRA) -, este plano de Von der Leyen colheu, no entanto, poucas reações entusiásticas entre os 27, com muitos países, entre os quais Portugal, a entenderem que se baseia demasiado numa flexibilização das ajudas de Estado, que só ajudará grandes economias com capacidade financeira para as prestar, como a alemã, sem contemplar novas fontes de financiamento.
Em relação ao financiamento do plano, e designadamente da produção de tecnologias limpas na Europa -- o pilar aguardado com mais expectativa pelas 27 capitais, até por ser a resposta direta ao plano de subvenções norte-americano de 369 mil milhões de dólares ou aos investimentos gigantescos e difíceis de quantificar praticados por Pequim -, a Comissão liderada por Von der Leyen descarta no imediato a criação de um fundo europeu soberano, a solução defendida por muitos países, mas na qual Bruxelas tenciona trabalhar apenas no "médio prazo".
Neste projeto que agora será discutido ao nível dos líderes europeus, a proposta de Bruxelas contempla antes a possibilidade de os Estados-membros utilizarem parte dos fundos dos Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) para financiar isenções fiscais dirigidas a investimentos em tecnologias verdes.
Portugal estará representado na cimeira pelo primeiro-ministro, António Costa, que hoje mesmo rejeitou a abertura "de uma nova guerra comercial", advertindo que "um continente como a Europa, que precisa de matérias-primas, que precisa de componentes, que precisa de mercados para as suas exportações, é mesmo o último continente que se deve fechar sobre si próprio e adotar uma postura protecionista".