Jardim não superou trauma
Ex-presidente já não manda, mas os “gajos” que tanto abomina ainda escrevem
Boa noite!
1. Alberto João Jardim disse o que quis ao DN. Tratou-nos como “gajos”, por sinal, “muito incompetentes”, por achar que até ao dia em que eu saiu do governo, foi “atacado” todos os dias, durante 37 anos e um mês, e que, mesmo assim, ganhou dez mandatos, com maioria absoluta. Nada de novo, pois as declarações do antigo governante, quem sabe, já embaladas pelos vapores etílicos, - é o jornalista que revela o ambiente no Quebra Costas: “Vamos lá p'ra baixo, p'ra cozinha. Bebemos um uísque e continuamos a entrevista" – enquadram-se num filme inconsequente em termos de bilheteira.
Contudo, demonstram que ainda não superou a frustração de ter saído pela porta pequena do governo e do partido que liderou, sabe-se bem como durante décadas, sem nunca conseguir calar-nos. Também denota que tem um peso na consciência e que não conseguiu exorcizar os fantasmas que o atormentam, depois de espatifar 5 milhões de euros por ano no Jornal da Madeira, que o levava ao colo, apenas com o intuito de tentar fechar o DIÁRIO.
O antigo presidente madeirense fomentou a concorrência selvagem e desleal com dinheiros públicos também porque tinha aversão à liberdade de informar. Há inúmeros casos que o provam:
. Jardim manteve refém dos seus caprichos o Jornal da Madeira para poder interferir nas opções editoriais, desvirtuar o seu estatuto - “um diário de perspectiva cristã, aberta a um são pluralismo ideológico, na fidelidade ao Evangelho” - e nele publicar artigos sem assinatura ou reproduzir discursos oficiais, humilhar companheiros de partido e opositores, fazer propaganda ao seu governo sem contraditório, incentivar ao dumping e à ilegalidade… com a agravante de nele deixar uma dívida superior a 50 milhões de euros. Desta forma, atentou contra o pluralismo na Região, como consta da deliberação da Entidade Reguladora que, em 2010, diagnosticou estar perante “um risco objectivo e grave para a preservação de um quadro pluralista no subsector da imprensa diária na Região Autónoma da Madeira, que justificará a adopção de medidas, da parte do governo regional, que suprimam os efeitos nefastos que a sua actuação tem provocado”.
. Jardim mandou fazer um inédito inquérito parlamentar à comunicação social com o claro intuito de liquidar a informação livre e independente, com conclusões previamente encomendadas para dar cabo do DIÁRIO de Notícias da Madeira. Já antes havia decretado morte a este jornal, ao cortar assinaturas e publicidade, ao proibir os dirigentes social-democratas de nele darem opinião, ao exortar o boicote empresarial, ao ofender sistematicamente os administradores e até ao rasgar um exemplar nos ‘passos perdidos’ da Assembleia Regional.
. Jardim condicionou liberdade de imprensa na Madeira e ridicularizou-a. Aliás, em pleno Parlamento regional, em 2012, gritou: “Não me venham com essa treta da liberdade de imprensa". Pudera. As entidades reguladoras instaram o Governo Regional a observar determinadas obrigações de modo a fazer cessar a violação da Constituição da República Portuguesa, do Tratado da União Europeia, da Lei da Concorrência e da Lei da Imprensa. Nunca cumpriu.
. Jardim beneficiou do facto de poucos terem batido o pé ao regionalíssimo folclore do 'deixa passar'. Ou seja, Jardim agiu como quis porque a República deixou. Obteve o silêncio cúmplice de algumas entidades, a parcialidade de outras e fez tábua rasa de recomendações que visavam pôr cobro à influência e ao tratamento desigual imposto pelo Governo Regional, o que fez da Madeira uma espécie de ‘offshore’ em matéria de comunicação social.
2. Alberto João Jardim usava uma estratégia de ostracização da oposição, escolhendo como inimigos preferenciais aqueles que não disputavam eleições. Concentrou todo o odioso no DIÁRIO de Notícias da Madeira pois sabia que não íamos a votos. De modo geral, cultivou uma relação hostil com o DIÁRIO por uma questão de sobrevivência política, e passou o tempo a ofender publicamente jornalistas a quem chamou nomes irrepetíveis e em relação aos quais desenvolveu campanhas abomináveis. Discriminou e perseguiu profissionais, moveu-lhes processos judiciais e foi um dos responsáveis pelo desemprego gerado no sector. Foi uma relação que não nos deixa saudades. Mas convém lembrá-la. Para que a história não se repita.
Jardim sempre lidou mal com a imprensa livre e com o dever de escrutínio dos jornalistas do DIÁRIO em relação à sua governação. Sempre confundiu a nossa missão de informar com “ataques” e julgou que as notícias apenas deviam legitimar a sua actuação. Não percebeu que aos jornalistas cabe dar o máximo de informações aos cidadãos para que estes possam fazer escolhas conscientes e em liberdade, nunca se substituindo às opções individuais respeitáveis.
3. Julgávamos que o capítulo jardinista, de má memória na história da Madeira, estava encerrado. Mas pelos vistos há uma necessidade tremenda do antigo governante em manter-se no palco mediático pelas piores razões, sempre com postura interesseira por conveniência política, fingindo enorme disponibilidade para comentar, reagir ou provocar, numa aparente cooperação com a missão de informar, mas que não passa de manobra revisionista malsucedida quando a sua versão da história é confrontada com os factos.
O legado jardinista é extenso e em grande parte meritório no capítulo do desenvolvimento da Região. Mas o antigo presidente, com apetência para o branqueamento, para além da dívida colossal, deixa diversos expedientes vergonhosos. Trata-se de manobras que atentam contra a democracia e mancham o jornalismo; que instituíram cunhas e borlas, insultos e preconceitos; que obrigaram a obediências cegas e incompreensíveis; que governamentalizaram instituições e muitos dos mais influentes; que expropriaram liberdades individuais e adiaram uma cidadania sem medo de dar a cara e opinião; que geraram défices democráticos e pressões abusivas… estratégias que comprovaram Governo a mais na sociedade madeirense e a ânsia tresloucada do poder desgastado em tudo controlar sem ouvir ninguém, devaneios que em termos de comunicação social desvirtuaram a sã concorrência, desregularam o mercado e corromperam as relações. E é isso que fica para a história e que configura um trauma não superado.