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Simplesmente obrigada, Jaques

Mais de 40 anos depois de ter feito a sua primeira viagem, em 1981, o Jaques deixou a sua casa, as Ilhas Selvagens. A Madeira agradeceu-lhe a dedicação, mas o tempo não vai esquecer a pessoa cuja história se confunde com a do território mais a sul de Portugal.

O Vigilante da Natureza Jaques habituou-se a gostar das coisas básicas da vida e a dar-lhes valor de ouro. Tem a sabedoria de um investigador e a experiência de um cientista e vai arranjar desculpas para, nos próximos anos, continuar a descer até ao lugar onde passou a lua de mel. Afinal, estava de serviço e teve de apanhar boleia de uma traineira para chegar a tempo ao altar. Uma espécie de “vou ali casar e já venho”. Gosto dele. É impossível não gostar da sua simplicidade, da sua humildade, da sua incrível paciência para responder mil e uma vezes às mesmas perguntas. Gosto da forma como se enervava quando tinha “casa” cheia e evitava que pisassem em sítios errados, não fosse haver um ninho soterrado e camuflado na areia.

Sinto-me uma privilegiada. Desci às Selvagens 21 vezes ao longo de dez anos para escrever um livro sobre ele e os colegas vigilantes. As suas histórias de vida e de aventuras. Custou-me, só ele, algumas viagens para encurralá-lo dentro de um navio da Marinha e responder às minhas perguntas. Ouvi as melhores narrações sobre as Selvagens vindas da sua memória, o saber que deixou aos mais novos e o medo de perder o recorde de 76 dias ali passados, num tempo em que os dias eram contados pelos dedos e pelos diários. O Jaques recebeu Filipe, Duque de Edimburgo como quem recebe um visitante qualquer. Aquele era o “seu” palácio, o seu reino, feito de pássaros e osgas, plantas infestantes e roedores. Mas não importava. As suas piadas eram únicas, carregadas de ironia, ditas com ar sério de quem sabia que estava a enganar mais um jornalista incauto.

A Madeira fica a dever ao Jaques, que agora se reforma, a responsabilidade do início da preservação das Ilhas Selvagens durante 40 anos. Desde o tempo em que, com Fernando e Filipe Almada, via a comida desaparecer por falta de condições de mar. Desde o tempo em que o mundo só chegava através de um rádio de pilhas e bom tempo em Canárias. Era o tempo de falar espanhol, de permanecer três meses na Reserva Natural, de conhecer o filho quando este tinha apenas dois meses.

Velejadores de todo o mundo vão certamente continuar a mandar-lhe postais no Natal. Prendas por portadores, abraços por marinheiros, saudades por mergulhadores. O “vigia das ilhas” fez amigos de todos os mares. Aqueles que terão um mar de lembranças e lhe deixam, hoje, um agradecimento do tamanho do oceano. Obrigada, Jaques.