Crónicas

Votar por antecipação e em mobilidade

1. Disco: “Gigi’s Recovery”, dos The Murder Capital, é muito bom. Este segundo trabalho da banda só vem confirmar o que o primeiro prenunciava. Um trabalho de grande fôlego e muito mais estruturado. Em três linhas e logo na primeira música dizem ao que vêm: “Is this our way to escape? Our way through the gates we built? Is this our end?” (“É esta a nossa maneira de escapar? O nosso caminho através dos portões que construímos? É este o nosso fim?”).

2. Livro: Não é um romance, mas é quase como se o fosse. “O Mundo à Venda”, de Javier Blas e Jack Farchy, chegou-me por mão amiga. Uma narrativa convincente sobre um dos motores mais importantes, mas menos conhecidos, da economia global: os comerciantes de commodities, que compram e vendem matérias-primas vitais, do petróleo ao café. O livro está cheio de exemplos impressionantes de práticas comerciais sem escrúpulos — malas cheias de dinheiro e navios que navegam incógnitos — e negócios de alto risco que ganharam a sorte grande, como comprar milhões de toneladas de alumínio dos destroços da URSS a preço da chuva. Um livro muito interessante e revelador.

3. As diferentes leis que regulamentam os actos eleitorais poucas alterações têm sofrido, o que as torna desadequadas. Timidamente, algumas coisas vão mudando. Nos últimos anos a mais significativa tem a ver com o voto por antecipação e em mobilidade. É assim em todas as eleições, com as excepções das eleições autárquicas (dada a sua complexidade) e nas Regionais da Madeira (por puro desinteresse ou preguiça da Assembleia Legislativa da RAM).

A ideia é a de expandir as oportunidades de voto a eleitores, que de outra forma, não poderiam exercer o seu direito de voto e, assim, procurar a aplicação do princípio do sufrágio universal.

Por outras palavras, voto antecipado e em mobilidade, alargará, a quem não pode, a possibilidade de poder votar. Seja fazendo-o uns dias antes da eleição, seja em local diverso do onde usualmente se vota.

Para que isso aconteça devem ser sempre salvaguardadas as medidas que protegem a identidade, a igualdade, o sigilo e a transparência do voto, bem como a integridade do processo de contagem. Tudo isto é vital para a implementação bem-sucedida desta tipologia de voto.

São muito os países que têm aplicado estas nuances nos actos eleitorais. Mas na Madeira não. Somos superiores demais para isto. Na ALRAM, que tão pouco produz em termos legislativos, nem um Projecto de Resolução (coisa de utilidade duvidosa e que têm como destino, na sua esmagadora maioria, o arquivo morto) foi feito para salvaguardar o direito ao voto por parte de quem, residindo na Madeira, não pode votar no dia da votação no local onde usualmente o faz.

Sem a aplicação destes sistemas especiais, serão muitos os madeirenses que ficarão impedidos de expressar o seu voto nas eleições regionais, por não estarem no arquipélago no dia do sufrágio. Isto faz com que os eleitores da Madeira sofram uma clara discriminação no que toca ao modo como podem votar. O voto por antecipação e em mobilidade, para além de ser garante de um direito cívico, assegura a possibilidade de diminuir a abstenção. E sabemos bem a quem isso interessa.

A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira tem de trabalhar rapidamente e aprovar as alterações necessárias, de modo a facultar o voto em mobilidade a todos os que o queiram fazer. Os madeirenses não podem ser tratados diferenciadamente de todos os outros portugueses. Tiveram três anos para o fazer com serenidade, façam-no agora com rapidez.

Estou em crer que, se não houver notória falta de vontade, ainda vamos a tempo de facultar a uns milhares de madeirenses a possibilidade de votar nas Regionais, no final do Verão.

Assim o queira a ALRAM. E não será por falta de chamada de atenção.

4. A minha crónica da passada semana parece ter ofendido umas almas puras e imaculadas que passam a vida a me insultar, esquecendo que só me insulta quem deixo, não quem quer. Concluo que o objectivo foi cumprido, pois houve quem se sentisse tocado com os apodos que usei.

Não sou desatento, e ao longo dos últimos anos fui registando os epítetos com que fui brindado, aqui e ali, por defender o liberalismo.

Como a lista já estava bem recheada, limitei-me a devolver as depreciações. Houve quem ficasse ofendido.

Já fui coisas muito pior do que aquilo que usei. Sou um pretensioso, porque indico aqui o que vou lendo e ouvindo. Já fui um sacana, um fanático, um anormal, um drogado, um atrasado mental, avençado, fascista (o pão nosso de cada dia), merdoso, liberalóide, um bêbado, burro, besta, um neoliberal (seja lá isso o que for), que quero é tacho, presunçoso, intelectualóide, um plagiador, pseudo-intelectual, elitista, corrupto, etc. E nem vou referir os lindos nomes que vão chamando à minha mãe, como se ela tivesse culpa de ter o filho que tem, nem o uso que acham que dou ao orifício por onde me sai a porcaria.

Se duvidam, é seguir muitos comentários, que me divertem, no sítio do DN Madeira, ou nas redes sociais.

Tudo, claro, a coberto da valentia do anonimato e do perfil falso. Em suma, uns heróis.

Tenho pena, mas quem cospe para o ar…

5. Deixo aqui umas notas iniciais de um assunto ao qual quero voltar daqui a algum tempo: a responsabilidade social das empresas.

Estamos a falar de um conceito segundo o qual, as empresas decidem, numa base voluntária, contribuir para uma sociedade mais justa. Partindo daqui, a gestão das empresas não pode, ou não deve, ser feita tendo em vista apenas o almejar alcançar os interesses dos proprietários. Deve também suprir os interesses de outros como, por exemplo, os trabalhadores, as comunidades locais, os clientes, os fornecedores, as autoridades públicas, os concorrentes, em suma, a sociedade em geral.

Temos assim o nível interno, que tem a ver com os trabalhadores e, de modo geral, com todas as partes interessadas no raio da estrutura empresarial e que podem influenciar o alcançar dos seus resultados. O nível externo tem em conta as consequências das escolhas de uma organização, nomeadamente, o ambiente, os parceiros de negócio e o meio envolvente.

Quer-me parecer que pouco se olha para esta vertente do negócio entre nós. E é importante que isso comece a ser feito.

6. Todos conhecemos um “populista”. Era aquele que na nossa turma estava sempre de acordo com o professor, que dizia que sim a tudo de modo a cair nas boas graças do mestre. Nem que isso o levasse a ser conservador na aula de história, porque era assim que o professor olhava o mundo, e progressista na de filosofia, pelos mesmos motivos.

Este jovem gravitava sempre em volta de quem lhe cheirasse a poder. Fosse o grupo dos “in”, fosse o dos “bullies” lá do sítio. Assim a modos que uma mosca-varejeira, voando em volta da porcaria.

Era aquele tipo que conseguia estar sempre bem com Deus e com o Diabo.

7. A Autonomia tem de ser olhada como um organismo vivo. Infelizmente, todos os dias, o que vemos é uma estrutura moribunda que, os que podem, não querem tratar.

8. “Um dos maiores erros é julgar as políticas e programas públicos pelas suas intenções, em vez de os julgar pelos seus resultados” – Milton Friedman

9. A imagem de hoje é uma colagem digital, inspirada num quadro de Charly Palmer, “Tribute to the Voting Rights Act” (1965).