Crónicas

Sentados à mesma mesa

Às vezes basta um pouco de atenção, de disponibilidade para ouvir, vontade de estar e desejo de sentir

Há quem seja fascinado por monumentos, por obras de arte ou postais. Eu sou fascinado por pessoas. A forma como elas se relacionam, as construções e os movimentos, as diferentes culturas que lhes dão corpo e moldam a maneira de ser. Talvez por isso, quando viajo, tenha sempre como prioridade contactar locais, que se possam revelar nas mais diferentes idiossincrasias e me acrescentem alguma coisa. No processo de constante aprendizagem que é a vida, muitas vezes aprendemos com os exemplos dos outros, tentando refletir em nós comportamentos e atitudes que nos possam fazer chegar a um determinado objectivo.

Esta semana, num restaurante de Lisboa, sentou-se à minha frente, numa pequena salinha um casal que pelas poucas palavras que pude escutar à chegada e pela forma como se comportavam estariam seguramente a dar os primeiros passos ou ainda a caminho até de uma relação. Os telemóveis não faziam parte da ementa, ao contrário do que se tornou hábito de ver por aí e os sorrisos que acompanhavam um brilhozinho nos olhos ( pelo menos dela que estava de frente para mim ) não enganavam. A ocasião era especial, ou pelo menos assim parecia, pela forma como ela abanava insistentemente as pernas, não conseguindo esconder um nervoso miudinho.

Não estive, como é evidente, atento às conversas que por ali se acumulavam, mas sentia-se uma qualquer magia no ar, pelos gestos e pela cumplicidade explicita ao contrário de tantas mesas que vemos, nomeadamente no Dia dos Namorados, em que parece existir uma parede a meio que não lhes permite comunicar. Às vezes é deprimente de ver duas pessoas, sentadas uma à frente da outra, invadidas por um silencio sepulcral e contaminadas pela indiferença. Cada um com o seu telemóvel , só interrompidos pela chegada dos pratos ou por uma qualquer pergunta de um empregado. Não sei como irá acabar a história desse casal, nem tão pouco se a partilha se conseguirá perpetuar pelo tempo, mas serviu-me de exemplo para o que pode e deve ser feito para que um determinado momento se possa tornar saudável e diferente. Às vezes basta um pouco de atenção, de disponibilidade para ouvir, vontade de estar e desejo de sentir. As relações fazem-se destes pequenos momentos, em que se definem intenções e em que o tempo parece parar quando se cruzam os olhares.

Hoje em dia, muitos dos relacionamentos começam com uma necessidade de demonstração daquilo que não somos mas que achamos que vai impressionar o outro mas quando essa efémera brisa de verão passa e a poeira assenta, acabamos por nos tornar invariavelmente no que verdadeiramente somos, muitas vezes para desilusão e espanto da pessoa que nos acompanha. Essa dificuldade que temos em assumir as nossas imperfeições e em baixar as defesas, impede-nos de revelar aquilo que de mais genuíno temos, a nossa essência e a capacidade de nos gostarmos mesmo com falhas, com defeitos ou com imperfeições. Talvez se partíssemos de um ponto de honestidade emocional e nos permitíssemos a ser, sem jogos, estratégias ou frases feitas, se simplificássemos os nossos processos e nos revelássemos através da sinceridade, muitos dos jantares silenciosos e dos divórcios tivessem tido outro fim.

Agora que se aproxima o famoso Dia de São Valentim, que tantos gostam de festejar, alguns tentando compensar o que não fazem no resto do ano, seria bom prestarem mais atenção ao ser em vez do parecer. Que esses jantares que enchem os restaurantes um pouco por todo o país possam ser mais como o do casal que se sentou à minha frente, com menos barreiras invisíveis a meio da mesa.

“Nunca o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação e nunca foi tão dramática a nossa solidão.”

Mia Couto