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Traços da lusa insanidade

Neste Portugal espraiado de Atlântico, começa-se a observar no céu, uma série de esvoaçantes necrófagos em movimento circular, sobre futuras carcaças políticas. Estes condenados vão perdendo fulgor, arfando e arrastando-se numa via de despojos, sob o olhar e olfato atento dos famintos a salivar desde o alto.

Há no horizonte uma oportunidade de poder à direita. A maioria absoluta que sustenta o governo português ainda cheira a nova, mas, contrariamente ao indicado no prazo de validade, já apresenta evidentes sinais de degradação. Uma recente sondagem política revelou uma primeira inversão de forças, mas ainda é cedo para que esta cadeia trófica se concretize, pelo que, por enquanto, há mais abutres a pairar que fénixes reerguidas.

Há dias, normalizou-se uma profanação numa sala de espetáculos, num “altar” de cultura. Há quem lhe chamasse benignamente de protesto, quando alguém interrompeu e violou uma peça teatral, em desrespeito a todos e até de si próprio, que reclamou uma fração do seu segundo de vaidade. Como corolário da senilidade naquele Olimpo insano, o tresloucado ato reivindicado, tanto na forma quanto na essência, foi atendido, ou os Deuses não estivessem mesmo todos loucos! A arte da representação morrera ali, embalada na surreal cumplicidade do seu aplaudente público, refém da censura tão subtil quanto estúpida, que paulatinamente se vai aninhando entre nós.

E porque há palcos e altares que tocam o céu, sabemos desde 2019, que a Jornada Mundial da Juventude seria acolhida em Lisboa. Todavia, à boa maneira lusa, salpicam-se madrastas irresponsabilidades a menos de seis meses de distância do evento, devido aos custos desta abençoada empreitada. Neste interminável banquete indigesto figuram autarcas, governantes, clérigos e até o omnipresente Presidente da República. A um canto da mesa há uma incorpórea entidade que irremediavelmente pagará a conta, chamada Contribuinte que assiste, ora a rir, ora indignado a este anedótico festival de paternidade rejeitada, de quem levou por diante uma não-planeada e oculta gravidez. Este é o mesmo país que vai gerir os milhares de milhões do PRR, mas que tropeça com estrondo nestes “tostões”. Pode o autarca de Lisboa emprestar abnegadamente o másculo peito a qualquer bala, ainda que seja sob a honra dum compromisso da cidade já oriundo do anterior mandato, com um coordenador do projeto cuja opinião, já rodou 180 graus. Pode de igual modo a farisaica Igreja se dizer “magoada” (com voto na matéria), mas dispensada dos custos (alheios) da sua própria idolatria, mas, ao menos respeitem todos, a imagem do “país” que quis acolher este evento mundial e deixem o retorno para depois, até porque, as bem-aventuranças começam mal, mas prometem sempre, acabar melhor.