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The party is over!

A vida tem muitas coincidências.

No dia 31 de janeiro de 2020 encontrava-me em Londres, para participar numa reunião científica, já há muito programada, curiosamente foi também o dia em que o Reino Unido saiu da União Europeia.

Eram dez da noite. Após ter jantado com amigos, percorri a Whitehall Street, acompanhando a multidão que se reunia mais à frente. Nos jardins do parlamento uma multidão assistia ao discurso do Sr. Nigel Farage. E como não gosto do personagem, atravessei a ponte de Westminster e fui aos jardins do Jubileu, onde sabia estarem os apoiantes europeístas. Consternação, algumas lágrimas, abraços, mas também esperança em algumas conversas. Regressei à ponte mesmo a tempo de assistir às doze badaladas do Big Ben. Confesso que me soaram a um epitáfio ou às últimas palavras ditas a alguém, no caso, o fim do namoro britânico com a Europa.

Fiquei, na minha cabeça, com uma frase enigmática de Farage: “O Brexit é a melhor coisa que poderia acontecer à Rússia, à América, à Alemanha e à democracia”...

Fiz a foto da praxe e postei no Face: “Agridoce. Isso mesmo, agridoce como o assado de Yorkshire, com compota de maçã, tradicional prato inglês. Estou em Westminster, em Londres, junto ao parlamento, a assistir aos últimos minutos da presença britânica na União Europeia. Ouvi no palco o Sr. Farage exultante com o retorno da “gloria” da nação... Vejo Hurras, mas também algumas lágrimas. Na verdade, um sentimento agridoce”.

Três anos depois regressei a Londres para ironicamente constatar um outro epitáfio, no caso, a morte do “racionalismo” Inglês. O sentimento já não tem nenhum travo doce. Como alguém me disse, o Brexit foi o exemplo supremo de “automutilação”. Hoje, só um terço dos britânicos acham que foi a decisão certa, mas talvez pelo orgulho britânico (ferido), há pouca vontade política para rever o relacionamento formal com a UE.

Entre as grandes economias, a britânica é a única do G7 que marca passo desde o referendo de 2016. E todos os “astros” se alinharam para piorar as consequências do pós-Brexit. A pandemia, a crise do “Supply chain”, o preço dos combustíveis e a guerra na Ucrânia, ao que se soma a crise política, com a dança dos Primeiros Ministros e uma difícil negociação europeia, com tiques de retaliação à ousadia britânica.

O relatório The Big Brexit, da credível Resolution Foundation, avaliou as consequências desta separação e afirma que o “legado duradouro da saída do Reino Unido da UE provavelmente significará um crescimento mais lento dos salários e da produtividade na próxima década” estimando uma perda de 547 € por trabalhador, todos os anos, e a queda da produtividade de longo prazo em 4%.

Curiosamente, após o divórcio com a Europa, o Reino Unido também perdeu mercados fora da UE: EUA, Canadá e Japão, que investiam e importavam por, precisamente, o Reino Unido estar na União Europeia.

Lamenta-se o Brexit, mas há que respeitar, pois é uma decisão soberana. Mas como em tudo na vida, há que tirar conclusões. Boris Johnson afirmou: “Não há planos para nenhum acordo, porque vamos conseguir um ótimo acordo”. O Ex Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk pôs o dedo na ferida: “Há um lugar especial no inferno para quem defendeu o Brexit sem o planear”.

Acredito que o Brexit terá sido um (trágico) epifenómeno do nacionalismo populista que Johnson, Trump, Le Pen, Salvini e Bolsonaro protagonizaram em diferentes formas. Com o mundo ocidental acossado pela guerra na Europa, e pelos desafios chinês e russo, qualquer divisão é indesejável.

A frase enigmática de Farage foi premonitória. Fica a lição.