Gordo não, enorme!
Nós tudo vamos permitindo, deixando que nos mexam nos valores, nos princípios e até na famosa liberdade
O ridículo saiu à rua e por lá se vai mantendo. São umas atrás das outras. Uma minoria, que se acha intelectualmente superior e se arroga o direito de reivindicar para si a possibilidade de alterar a história, tudo em nome do respeito (dizem eles). Este extremismo perigoso porque disfarçado de boas intenções, segue de lápis azul na mão, a cancelar tudo o que não lhe entra no formato definido. Para isso rasgam-se obras maravilhosas e reescrevem-se outras, humilham-se pessoas com o pretexto da apropriação cultural e invadem-se teatros para exigir que uma personagem (sim personagem) seja obrigatoriamente representada pela “própria”. Dá a ideia que nos chamam para uma linha de montagem, nos pintam a cara e vestem roupas de palhaço e nos mandam para o circo e nós ainda sorrimos. Esqueçam tudo o que aprenderam até agora, guardem as anedotas brincalhonas no lixo e tenham muito cuidado com o que dizem porque ao virar da esquina a nova PIDE pode atacar. Tudo virou ofensa, alvo de recriminação.
Desta vez o alvo foram os livros infanto-juvenis de Roald Dahl, entre eles o famoso “Charlie and the Chocolate Factory”. Centenas de expressões e palavras foram agora substituídas, limadas, polidas, como se lhe quiser chamar, pelos inquisidores dos tempos modernos. A editora Puffin Books decidiu gozar autenticamente com um trabalho de excelência, realizado por um autor polémico mas reconhecidamente talentoso, impondo-lhe limites à criação, deturpando a sua obra e no fundo desrespeitando aquilo que de mais elementar um artista deve ter. Liberdade para deixar voar a criatividade. Mas a editora não vai sozinha neste autêntico trio elétrico carnavalesco, sendo que os herdeiros do próprio e uma tal de Inclusive Minds, que se proclama como “um coletivo de pessoas apaixonadas pela inclusão e acessibilidade na literatura infantil”, decidiram em conjunto adulterar o pensamento livre e a escrita tão própria, um autentico atentado, em nome de uma pretensa luta contra a ofensa. As bruxas deixaram de ser calvas, os “gordos” passaram a “enormes”, e a “feia” passou a ser “muito desagradável”. Que beleza, assim sim, ajudamos as crianças a crescer sem estereótipos e a dar de caras com o que se passa lá fora. Os tratores pretos em “Fantastic Mr. Fox” deixaram de ser pretos para que a ideologia colonialista se vença de vez, ou seja já nada pode ser preto.
Não é o primeiro, nem o segundo ou tão pouco o terceiro caso do género. Eles vão-se sucedendo, temos visto isso em grandes clássicos até aos super-heróis. Vão mudando de género e de origem étnica para acalmar as almas mais susceptíveis. Nós tudo vamos permitindo, deixando que nos mexam nos valores, nos princípios e até na famosa liberdade que supostamente conquistámos por cá a 25 de Abril de 1974. Se isto é que é liberdade, não permitirmos um artista de se expressar livremente, então sou eu que tenho que voltar a ler a definição. A estupidez normalizou-se de tal forma que virou moda. Um bom exemplo de como até a estupidez vira moda se for lançada por uns quantos iluminados. Não sei até quando vamos deixar que se derrubem estátuas, que se queimem livros, que se prostituam grandes obras em nome do politicamente correto e de uma ideologia que tudo quer eliminar se não for concebida dentro dos seus parâmetros. O que sei é que isto não vai parar por aqui, continuarão a galgar terreno, vão mexer mais com os nossos costumes e as nossas crenças e quando dermos por ela, já fomos.
Ou começamos a tomar medidas drásticas em relação a esta violação da nossa forma de estar e do que acreditamos ou seremos consumidos até às entranhas. Mas é cada um de nós que tem que tomar uma posição sobre o assunto e deixarmos de deixar para os outros estas lutas tão urgentes. Já é tempo de nos começarmos a insurgir à séria contra quem nos quer impor novos conceitos, com os quais não nos identificamos, que não pedimos e que não queremos. Como se a palavra gordo ou os carecas tivessem que ter um cunho marcadamente pejorativo, lesivo dos próprios. Eu até sempre ouvi dizer que é dos carecas que elas gostam mais, só faltava agora meterem também perucas nos carecas. Onde isto chegou. Nunca a obra “O Rei vai Nu” foi tão atual e teve tanto significado. Nós vamos aplaudindo e assobiando para o lado. Podem querer mudar o que quiserem mas eu vou continuar a chamar carinhosamente “gordo” a um dos meus melhores amigos e ele vai-me continuar a chamar “calmeirão” por não ser propriamente alto nem espadaúdo. Para todos esses que nos querem fazer uma lavagem cerebral respondo como o outro disléxico que ficou conhecido, “godo não, fodte!”.
P.S. Peço desculpa por ter referido a dislexia na última frase. Não quis ofender os disléxicos.