Corrupção e poder
Há um aforismo que toda a gente conhece e é frequentemente citado, quando se fala de poder e corrupção: “O poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente”. Ninguém, ou quase ninguém, se preocupa em saber a origem da frase (frequentemente atribuída a diversas personalidades) e, muito menos, perceber a validade da afirmação.
Nos anos 1800, Mandell Creighton, bispo britânico, publicou uma série de crónicas, acerca da Inquisição, onde, em vez de criticar a brutalidade das acções da igreja, decidiu documentá-las de um modo objectivo.
John Emerich Edward Dalberg-Acton, 13.º marquês de Groppoli, mais conhecido por Lorde Acton, discordando do modo como o bispo Creighton havia tratado o assunto, resolveu enviar-lhe uma carta, em 1887, onde escreveu: “Não posso aceitar o vosso cânone de que devemos julgar o papa e o rei de modo diferente daquele como julgamos outros homens, com a presunção favorável de que não fizeram nada de errado. Havendo qualquer tipo de presunção terá de ser no sentido inverso, contra os detentores do poder. Tal presunção deve aumentar à medida que o poder aumenta. A responsabilidade histórica tem de compensar a ausência de responsabilidade legal. O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente. Os grandes homens são quase sempre maus homens”.
A frase de Acton era nova, mas não a ideia. Já, em 1770, William Pitt (“O Velho”) falando na Câmara dos Lordes, em Inglaterra, havia dito: “O poder ilimitado tem a capacidade de corromper as mentes daqueles que o possuem”.
Nos últimos anos, o assunto tem interessado muitos investigadores, em especial na área da Psicologia Comportamental e na do estudo do poder.
Dúvidas surgiram. O poder corrompe ou as pessoas corruptas são atraídas pelo poder? Os tiranos nascem tiranos ou transformam-se em tiranos.
Um dos primeiros estudos conhecidos é de 1971, publicado por Philip Zimbardo, investigador da Universidade de Standford. Zimbardo e a sua equipa construíram uma prisão falsa na cave da universidade e publicaram um anúncio onde solicitavam alunos voluntários para uma experiência num ambiente de prisão (recebendo 15 dólares por dia, durante 15 dias).
Aos 18 alunos seleccionados, foram distribuídos dois papéis: guardas prisionais e prisioneiros. Ao fim de pouco tempo os “guardas” começaram a tratar mal os “prisioneiros”.
Tal facto parecia confirmar a validade do aforismo citado. No entanto, mais tarde, outro estudo concluiu que a situação se tinha ficado a dever ao modo como os alunos tinham sido recrutados. A referência a “ambiente de prisão” teria levado ao comportamento, por julgarem que era esse o papel que lhes competia desempenhar.
Brian Klass, professor de Política Global no University College de Londres e colunista do Washington Post, publicou, recentemente, o livro “Corruptible. Who Gets Power and How it Change Us”, onde dá conta do seu trabalho de investigação e cita diversos estudos que têm sido efectuados, ao longo dos anos, por investigadores credenciados de universidades de topo.
Apesar de poder concluir-se que vários factores contribuem para os abusos de poder – oportunidade, apetência pelo poder, personalidades com características de agressividade, autoritarismo, maquiavelismo, narcisismo e dominância social, não parece ter sido possível responder, cabalmente, a perguntas chave: as pessoas que estão no poder tendem a fazer coisas por serem más pessoas, ou tornam-se más depois da chegada ao poder? Quem procura o poder? Quem obtém o poder? Quem mantém o poder e a que custo?
O fenómeno é multifactorial: tem a ver com características pessoais, genéticas, com oportunidade, cultura, contexto, ambiente e sistema onde estão inseridas.
De qualquer modo, basta-nos olhar à volta para identificarmos abusos de poder e utilização do poder para benefício próprio e de grupo, sem olhar a meios e sem preocupações de empatia por quem é vítima de abusos e discriminações.