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Efeméride, ou talvez não

E, nesta guerra ainda sem nome, um dos cuidados dos aliados foi silenciar a comunicação social da Rússia

A “Operação Militar Especial”, eufemismo utilizado pela Rússia para a sua agressão à Ucrânia, vai entrar no segundo ano. Cumprindo a tradição, uma guerra só tem nome quando acaba, pelo que este ou outro nome, por agora, tanto faz.

Assim foi com as Guerras dos Cem anos, dos Trinta Anos, dos Sete Anos, dos Oitenta Anos, medidas pelo tempo; as da Sucessão de Espanha ou da Áustria, designadas pelo objectivo dinástico; ou ainda as I e II Guerras Mundiais, classificadas pela sua abrangência geográfica.

Todos estes conflitos tiveram um ponto comum: quando começaram, era para acabar o mais cedo possível, antes do Inverno, das colheitas ou de outro acontecimento marcante; mas o destino adverso…

A Guerra é um dos fenómenos mais estudados, e em tempos idos era a medida das coisas: faraós, imperadores, reis e outras importantes figuras mandavam guardar, de preferência na pedra, para memória futura, os seus êxitos (omitindo os fracassos). E, cabendo ao ganhador escrever a História, a tarefa estava facilitada.

No século XXI, vivendo nós (ao que dizem) na Era da Informação, pareceria que, sonegando aos chefões o exclusivo do conhecimento, estaria garantido o fracasso da manipulação da informação, desmontando as cabalas e os populismos em que se baseiam as campanhas que acabam por desencadear as guerras. Nesse Mundo idílico, reinaria a Paz Perpétua, chegando-se assim ao “Fim da História”, como foi apregoado.

Isto é desconhecer a alma humana: as pessoas, ainda hoje, não acreditam no que vêem e ouvem, mas no querem ver e ouvir.

E, nesta guerra ainda sem nome, um dos cuidados dos aliados foi silenciar a comunicação social da Rússia. Como em 1914, em que o primeiro acto de guerra da Inglaterra foi cortar os cabos submarinos alemães. Decerto ficamos defendidos da propaganda – mas também do contraditório.

Mesmo para um observador menos atento, salta à vista que foram cometidas, de parte a parte, expectativas e avaliações grosseiramente incorrectas.

A Rússia lançou-se numa acção em que tudo indica que não contava com a oposição dos ucranianos; as operações de cerco a captura de Kiev e Karkiv falharam redondamente, a ocupação do Leste (Donetz) marca passo, e o avanço sobre Kerson e eventualmente Mikolaiv resultou num fracasso. Se não fossem as enormes reservas em pessoal, material e munições a “Operação” teria tido um fim abrupto.

Os Ocidentais estavam embalados no “Fim da História” e desinvestiram alegremente na Defesa. Pessoal, material e munições deixaram s de ser prioritários. Os alemães pareciam ter recomeçado um Drang nach Östen (Salto para Leste), desta vez por via pacífica. E todos haviam apostado na globalização, com o consequente aumento de dependências, nomeadamente em energia. E foi neste panorama que se lançaram numa escalada de sanções económicas, como se isso não fosse uma faca de dois gumes. E descobriram que, para armar a Ucrânia, tinham de se desarmar, e que as armas, munições, procedimentos, comunicações, etc., não eram compatíveis.

De modo que esta efeméride não é para celebrar. Bom seria que esta fosse a Guerra de um Ano e tivesse já acabado.