Sei que há políticos sérios. Pelas responsabilidades que tive a oportunidade de assumir, trabalhei de perto com pessoas dedicadas e honradas. Mas também acredito que, essas, não vão muito longe, pois a seriedade e a competência não são suficientes num meio em que prevalece o interesse, o conluio, o amiguismo, o nepotismo e até certa cretinice a que assistimos da parte de determinados protagonistas dos partidos do poder. Os episódios sucedem-se, os escândalos vão sendo publicados, as justificações aparecem nas mais criativas formas e feitios, mas nada é verdadeiramente explicado e tudo põe a nu a distância abismal que separa os ministros, os secretários e os empresários que enriquecem à custa de vários esquemas da realidade dura da esmagadora maioria dos cidadãos, que pagam todas as crises e que sustentam, com desumanos impostos, o estado de podridão a que o país chegou. Efectivamente, para quem manda, a ética, o bom senso e a vergonha na cara são conceitos que atrapalham.

Mas, como é óbvio, todos estes problemas não são conjunturais. Ou seja, não são específicos do PS, nem de António Costa, mas sim do estado do regime político em Portugal, pois qualquer outro partido a governar em tempo contínuo há quase uma década, provavelmente teria nos levado ao mesmo tipo de desagregação. Assim, estamos perante uma questão estrutural da governação, e, a meu ver, muito da mesma tem a ver com o modo como os partidos da nossa Democracia perderam uma relação com a sociedade que (supostamente) deveriam servir, fechando-se sobre si mesmos e convertendo-se em banais caixas de ressonância, onde só atinge sucesso quem consegue repetir mais alto a opinião e a vontade da liderança instalada. Nesta ecologia partidária tóxica, onde a hipocrisia abunda, de pouco importa o mérito ou a carreira dos militantes, pois as escolhas para os vários graus da máquina governativa recai sobre os que garantem obediência, seguidismo e ausência de espírito crítico, atributos muito mais condizentes com as ovelhas do que os Homens.

Sem surpresa, o escrutínio que deveria ser feito aos que assumem cargos, sejam de que nível for, não o é. Aliás, nem o poderia ser, quando os próprios partidos (que deveriam se afirmar como centros para a discussão livre das ideias, das quais resultaria a melhoria concreta da sociedade) são geridos com nervosismo a mais, lucidez a menos e uma vontade já indisfarçável de se agarrar ao poder pelo poder, mesmo que isso implique converter aquelas organizações, que deveriam ser pilares da boa gestão pública, em braços armados de delírios convenientes, negando as verdades incómodas, cultivando ódios, minando canais de verdadeira transformação social e convertendo a missão nobre da política num exercício rasteiro de lirismos incompetentes, cenas deprimentes e carreirismo de quem não avalia, não faz perguntas e distorce tudo à luz dos espelhos para o qual certos mestres das incompatibilidades e da partidarite se olham todos os dias.

Mas ainda há quem não se tenha habituado a este mundo em que vivemos. Ainda há quem exige que os governos sejam mais do que uma arena onde interesses privados se digladiam e uma amálgama deprimente de cabeças sem nexo, que gastam mal, falam tarde e decidem pior. Temos visto muita dessa gente nas ruas das nossas cidades, a lutar por aquilo em que acreditam e a batalhar por uma vida melhor. O que essa gente espera é que, ao menos uma vez na vida, aqueles que mandam tenham uma atitude digna. Mesmo que, em certos casos, a única atitude digna que resta seja a de sair pela porta pequenina que fica do lado oposto ao da porta pela qual entraram.