Será verdade que os madeirenses só são “valentes” em manifestações sobre futebol?
Num comentário no Facebook em reacção à notícia do DIÁRIO sobre o buzinão que alguns adeptos do Marítimo convocaram para o próximo sábado, um leitor de Machico considera que os madeirenses são “corajosos, valentes e bem decididos” em manifestações relacionadas com o futebol mas que no que toca a “se manifestar contra o aumento do custo de vida, de tudo o que há de errado com esta governação regional, nada feito”.
A história das grandes manifestações públicas que tiveram lugar no último meio século na Madeira desmente esta perspectiva. É verdade que o número de protestos de massas populares no nosso arquipélago é bem menor do que aqueles que se verificam nas cidades do continente, mas é incorrecto concluir que os madeirenses e portossantenses só saem à rua por causa do futebol ou que nunca levantam a voz com assuntos relacionados com o Governo Regional.
Por exemplo, a maior manifestação alguma vez realizada na ilha do Porto Santo foi contra o estado de funcionamento do centro de saúde local, tutelado pelo Governo Regional. Cerca de 700 pessoas participaram nesse protesto de 20 de Outubro de 2002, que surgiu na sequência da morte de um jovem doente de 20 anos, que, de acordo com a família, foi transferido tardiamente para o hospital do Funchal. O então presidente da autarquia, Roberto Silva, juntou-se à iniciativa.
Outra grande manifestação de indignação por uma medida do Governo Regional teve lugar a 25 de Setembro de 2011, na frente mar do Funchal. Centenas de pessoas responderam a um apelo lançado por Raimundo Quintal e protestaram contra a opção do executivo de Alberto João Jardim para o aterro criado com o entulho do temporal de 20 de Fevereiro de 2010.
É verdade que um dos mais vigorosos protestos dirigidos especificamente ao ex-presidente do Governo esteve relacionado com o futebol e particularmente com o Marítimo. Foi a vaia registada a 25 de Maio de 1997 no estádio dos Barreiros, em que os adeptos verde-rubros gritaram “Alberto para a rua, o Marítimo continua”, em reacção à proposta da Quinta Vigia de constituição de um clube único, que agregaria também Nacional e União. O governante teve de sair do estádio sob protecção policial, tal a fúria dos adeptos. No entanto, não foi o único momento de protesto em que os madeirenses se revelaram “corajosos, valentes e bem decididos”.
Há que reconhecer que as maiores manifestações ocorridas na Madeira no último meio século estão associadas a causas nacionais. A manifestação do 1.º de Maio de 1974 no Funchal é, ainda hoje, apontada como o maior de sempre. Nessa altura, o regime do Estado Novo acabara de ser derrubado e os representantes da ditadura salazarista (como Marcelo Caetano) tinham sido transferidos para a Madeira, ficando detidos no Palácio de São Lourenço, a caminho do exílio. “A Madeira não é o caixote do lixo” e “Eles devem ser presos e julgados” foram algumas das palavras de ordem ouvidas nessa manifestação histórica.
Outras manifestações que juntaram milhares de pessoas no Funchal foram as relacionadas com a Prova Geral de Acesso (PGA) ao ensino superior a 21 de Fevereiro de 1992, a solidariedade com o povo timorense a 13 de Setembro de 1999 ou contra as medidas nacionais da troika em 15 de Setembro de 2012, isto só para citar algumas.