Crónicas

Solidão, uma viagem de regresso ao tóxico

Não sei se a vida é um espetáculo de circo ou uma peça de teatro, uma das duas será seguramente, variando em determinadas situações da nossa existencia. Ou estamos a representar, ou a assistir a autênticos dramas, ou fazemos chacota e troça de outros ou divertimo-nos com os que nos são próximos. Ou estamos a rir, ou a chorar, de uma forma ou de outra também podemos fazê-lo em bom ou em mau, ser aplaudidos ou assobiados, em êxtase ou no respeito do silêncio. Nos entretantos do nosso espaço, em que percorremos as emoções que escrevem as nossas histórias, vemo-nos relegados para fora do palco, muitas vezes de uma forma injusta ou pouco plausível mas sempre, sempre dolorosa. Para quem se habitua, ao longo do tempo a ser personagem principal ou mesmo que secundária a ter presença à sua volta e de repente perde as luzes, a gente que nos rodeia e acompanha, parece que tudo perde e se cai num poço sem fundo, bem escuro, sem fim desenhado ou retorno possível. A esse buraco tão perigoso e dramático mas cada vez mais real na nossa sociedade, habituámo-nos a chamar de solidão.

Esse estafermo que vai marcando a sua presença indelével, conforme o nosso estado de espirito, as nossas amizades, família ou relações próximas, mas que também se alimenta da idade, por força das circunstancias e dos amigos que se vão e já não voltam mais. Por erros cometidos em palco, pelas vezes que nos arrastam para peças de qualidade duvidosa ou circos com palhaços que bem dispensávamos e que teimam em se aproximar e nos fazem perder o nosso precioso tempo. A solidão é um problema sério, cada vez mais embrenhado entre nós, que nos corrói e vai criando feridas difíceis de sarar. Vivemos tão obcecados com o nosso dia a dia, que muitas vezes nos esquecemos dos mais velhos e dos que aparentemente vão passando os dias a sorrir, escondendo lá dentro depressões que os vão afastando da realidade e dos mais próximos ou em muitas situações que os levam numa viagem de regresso ao que é tóxico, ao que não interessa e que nos habituámos a rejeitar, a suprimir e a não tolerar.

É por isso que nesse caminho que percorremos em direção à solidão e do qual muitas vezes não nos apercebemos, não nos devemos reconectar com pessoas tóxicas. O desespero que nos leva a olhar à nossa volta em certas alturas quando estamos sós e a não vermos ninguém, não nos deve de forma alguma levar-nos a esquecer o que certas pessoas nos fazem ou fizeram. Temos tendência a ter, especialmente em momentos de maior fragilidade, a memória curta e o umbigo mais leve. A facilitar quem nunca nos facilitou e a dar segundas oportunidades quando ali só se encontra o odor fedorento do aproveitamento, do interesse e da pretensa amizade. É muito fácil quando nos sentimos perdidos, quando perdemos o palco ou não temos ninguém que nos faça sorrir, sentirmos a necessidade de deixar regressar ao nosso círculo quem não interessa. Porque precisamos de alguém, porque as pessoas são feitas de relações, porque não somos ninguém sozinhos e nos fazemos felizes com uns com os outros. Como diz o famoso provérbio africano, “ se queres ir rápido vai sozinho mas se queres ir longe vai sempre em companhia”.

Nessa razão de ideias, quando vamos construindo o nosso presente, através da concretização dos nossos sonhos ou simplesmente do que nos calha em sorte, nunca devemos deixar pelo caminho os que gostam de nós, os que não nos deixam para trás e que se preocupam. Porque, voltando ao inicio da crónica, se a vida é mesmo um espetáculo de circo ou uma peça de teatro ( como eu acredito ), é sempre bom termos alguém na primeira fila a aplaudir ou nem que seja a criticar de forma positiva, porque não há nada pior do que olhar para a frente e ver a cadeira vazia. É bom termos consciência das nossas prioridades mas também dos sítios onde não queremos regressar, do que nos fez mal e nos deixou marcas, para nos dias em que cairmos nessa solidão que nos parece prender, não acharmos que serão esses que nunca fizeram nada por nós que nos irão desamarrar.

A solidão, é muitas vezes uma viagem de regresso ao tóxico, porque nos falha tudo o resto. Mas ainda assim, é sempre melhor só do que mal acompanhado.