Vergonha nacional
Anastácio Alves foi alvo de diligências para o localizar, em França e Portugal, que se revelaram "infrutíferas". Ontem apresentou-se à Justiça e foi mandado para casa
Boa noite!
O ex-padre madeirense Anastácio Alves, dado como estando em parte incerta desde 2018, afinal vivia “tranquilamente” em Portugal.
Um gozo. Sobretudo depois Ministério Público ter accionado em Janeiro um pedido de cooperação internacional para notificar o arguido da acusação proferida em Março de 2022 de quatro crimes de abuso sexual de crianças e um crime de actos sexuais com adolescente, tendo sido realizadas de diligências para o localizar, em França e Portugal, que "resultaram infrutíferas".
As buscas devem ter sido tão intensas que ninguém deu por nada. Mas o filme teria cenas mais chocantes a vários níveis, tanto no domínio da Justiça, como na Igreja.
Anastácio Alves surgiu ontem em Lisboa, com o ‘Observador’ convocado para dar cobertura mediática à confissão inevitável, embora tardia. E admite ter abusado de menores. sem que ninguém reaja. Mais, apresentou-se na Procuradoria-Geral da República, mas não houve qualquer interesse em notificar, inquirir ou deter o cidadão acusado à revelia de cinco crimes. Nada. Pior, primeiro foi mandado para França e depois para a Madeira.
O caso, difícil de adjectivar, configura brincadeira de Carnaval. Mas não. Segundo a PGR, deter o ex-sacerdote era “inviável”. Primeiro, porque no processo não foi determinada pelo magistrado titular a emissão de mandados de detenção nacionais ou internacionais. Depois, porque nunca foi, pelos advogados presentes, veiculado como sendo esse o motivo da sua deslocação à PGR. Ou seja, a PGR não quer chatices processuais, mesmo que perante um arguido por notificar que, caso quisesse, a esta hora voltaria a estar em parte incerta, pois com tamanha displicência, nem devem ter pedido a morada e contacto.
O ex-padre foi à Justiça com o advogado – o mesmo que defende as causas da autarquia de Santa Cruz, de onde Anastácio é natural - para alegadamente ser constituído arguido e “assumir as suas responsabilidades”.
O gesto louvado pela “elite” eclesiástica, grande parte cúmplice dos “crimes hediondos”, não o iliba de qualquer culpa, mas numa semana de publicação do relatório cruel sobre abusos sexuais na Igreja, até os que haviam decretado silêncio sobre questões melindrosas e assumido desconhecer contornos de mais um episódio que bem pode servir de guião para a sétima arte, soltaram estridentes hossanas.
A burocracia de uns e a hipocrisia de outros envergonha o país que tudo deve fazer para libertar-se desta cruz que todos carregam.