Os jovens formados estão desempregados "por opção"?
Durante uma visita ao Fórum da Empregabilidade da Universidade da Madeira, realizada ontem, o Presidente do Governo Regional da Madeira alegou que os jovens com formação superior na Região Autónoma da Madeira "se estão desempregados é só por opção". Será mesmo?
Jovens qualificados na Madeira só "estão desempregados por opção"
Presidente do Governo Regional da Madeira garante que, "neste momento, todos os jovens qualificados têm uma base de oferta de emprego muito boa"
A frase, que muita polémica tem causado nas últimas horas e motivou o 'Boa Noite' de ontem, mereceu o reparo da maior força da oposição na Região. Sérgio Gonçalves, líder do PS Madeira, classificou de “muito mau tom” as palavras de Albuquerque, apontando que em 10 anos, cerca de 17 mil pessoas "foram empurradas para a emigração por força das políticas de baixos salários e de não valorização profissional" que diz serem promovidas pelo Executivo regional.
O chumbo na opcional
Presidente do Governo não tem tido tempo para pensar seriamente no que diz na prova oral
PS diz que Miguel Albuquerque ofende jovens obrigados a emigrar
Foi pela voz do seu presidente que o PS-Madeira considera uma ofensa as declarações de Miguel Albuquerque sobre o desemprego de jovens qualificados. Sérgio Gonçalves considerou as palavras do presidente do Governo Regional uma enorme falta de respeito para com todos os jovens qualificados da Região que estão desempregados, nomeadamente os que são obrigados a emigrar por falta de oportunidades.
A afirmação de Miguel Albuquerque de que "se estão desempregados é só por opção”, já que existe "uma base de oferta de emprego muito boa", é imprecisa, tendo em conta que há muitos madeirenses em dificuldades para encontrar trabalho na sua área de formação.
O DIÁRIO falou com três madeirenses com formação superior em situação de desemprego ou a trabalhar em outra actividade, que relatam o martírio em encontrar trabalho e a indignação de ter de desempenhar funções em outras áreas para conseguir pagar as contas.
Desde que Tânia Gaspar terminou a licenciatura em Educação de Infância, em 2003, foram vários os obstáculos que encontrou para conseguir um emprego, desde a falta de vagas à remuneração pouco convidativa.
Actualmente, com 45 anos, a madeirense encontra-se desempregada depois de ter perdido o trabalho em 2020, ano de pandemia da covid-19.
Está difícil conseguir um trabalho na minha área porque o pré-escolar não tem crianças suficientes, o que motivou o fecho e a junção de escolas do sector público. No caso do privado, também é complicado conseguir um emprego porque têm mais benefícios ao ir buscar pessoas recém-licenciadas ao desemprego. Tânia Gaspar
Depois de ter ficado desempregada recorreu a outras áreas que não a da sua formação para conseguir rendimento para pagar as contas, algo que descreve como sendo "decepcionante".
É complicado, entre estar numa área que não é nossa e conseguir pagar as nossas contas, é melhor assim. É decepcionante porque investimos bastante num curso e depois o mercado de trabalho não consegue dar resposta Tânia Gaspar
Marina Teixeira é, desde 2018, licenciada em Estudos de Cultura, mas nunca chegou a estar empregada na área.
Actualmente em situação de desemprego, a madeirense de 30 anos confessa que "conseguir um emprego depois da licenciatura está a ser extremamente difícil".
Tive de esperar cerca de dois anos para fazer o estágio profissional e essa é a única experiência que tenho na minha área de formação. Marina Teixeira
Tirar um curso superior e não encontrar resposta no mercado "é muito triste”, descreve.
É muito triste porque nós estudamos tanto e tentamos tanto ter um futuro melhor, mas definitivamente o meu futuro não vai passar pela minha área de formação, porque é praticamente impossível, na prática o meu curso não dá para nada sem ser para os organismos públicos. Marina Teixeira
A opção, assume, é realmente aceitar as possibilidades que surgem, mesmo não sendo da sua área de formação, sob pena de não conseguir a tão desejada independência financeira.
A verdade é que eu não tenho independência financeira. Tenho 30 anos e vivo com os meus pais. Só vou conseguir ter independência se for para outras áreas. Marina Teixeira
Henrique Jesus, licenciou-se em Publicidade e Relações Públicas, mas não encontrou trabalho na área.
Depois de realizar um estágio profissional e “como na maioria dos casos” não ficar colocado na empresa que o acolheu, fez-se à vida e aceitou as vagas de trabalho que foram aparecendo, na restauração e nas vendas.
Tive muitas dificuldades em conseguir trabalho depois de acabar o curso. Na Madeira, na minha área não é muito fácil. Henrique Jesus
Actualmente com 32 anos, o madeirense é condutor de tuk-tuk: “Sou, desde 2019, condutor de tuk-tuk, gosto muito do que faço e sou muito feliz, só gostaria que fosse mais estável”.
A declaração de Miguel Albuquerque caiu que nem uma bomba junto daqueles que encaram as diversas provações para conseguir um emprego na Região.
Não concordo com a afirmação do Presidente do Governo Regional, primeiro porque ninguém fica desempregado por opção e segundo porque muitas vezes as vagas que surgem não são na nossa área de formação, assim como a remuneração apresentada é desadequada tendo em conta as nossas qualificações. Tânia Gaspar
Acho as declarações do presidente do Governo Regional absolutamente vergonhosas, não fazem mesmo sentido algum. Marina Teixeira
Neste momento vejo que de nada serve ter um ‘canudo’ e que é difícil dar continuidade ao investimento que fazemos nos estudos. Não fiquei desempregado por opção de certeza. Foi mesmo por falta de oportunidade na minha área, na altura. Henrique Jesus