"Não é só retirar o corpo, é o fim de uma história"
A equipa portuguesa de socorro na Turquia foca-se na recuperação de corpos para os familiares que os esperam, tentando uma operação digna e reconhecendo que não é só um corpo que se retira, é uma história que acaba.
Se ao início, a equipa portuguesa, quando encontrava um cadáver, apenas deixava uma marcação técnica a indicar a sua presença e seguia à procura de vivos, desde segunda-feira que a estratégia mudou.
Agora, nos edifícios colapsados de Antáquia (sudeste) onde se sabe que há corpos, tenta-se resgatá-los para garantir que as famílias possam fazer o seu luto após os terramotos que destruíram na semana passada partes da Turquia e Síria.
"O que está a ser feito é tentar encontrar corpos. Desde segunda-feira que, por indicações das autoridades turcas, a missão passou a ser encontrar mortos e retirá-los" dos escombros, disse à agência Lusa o segundo comandante da operação portuguesa na Turquia, Joaquim Santos.
Em todo o processo, há uma preocupação para que a entrega do corpo aos familiares seja o "mais digna possível", disse à agência Lusa a médica do INEM, Inês Simões, da equipa portuguesa na Turquia.
"Não é só retirar corpos. São os fins de muitas histórias", frisou, salientando que um luto mal feito "pode provocar experiências traumáticas".
"Acreditando ou não noutra vida, é um corpo. É sempre um fim", vincou Inês.
Também para a psicóloga do INEM Joana Anjos, "esta intervenção é muito importante".
No domingo, na baixa da cidade, os portugueses retiraram um casal de cerca de 30 anos. A mulher estava grávida de quatro meses e tinha acabado de saber o sexo do bebé.
Estavam os dois abraçados debaixo dos escombros.
"Não são dois cadáveres. São dois corpos abraçados", diz Joana Anjos.
Hoje, o trabalho decorreu no sul de Antáquia, em locais onde a equipa portuguesa já esteve na quarta-feira e onde tinha identificado corpos.
A equipa chega a um prédio onde foram retiradas duas pessoas com vida e com indicação de um corpo na zona da cave do edifício gravemente afetado pelo sismo.
Operacionais identificam o local onde está o corpo e decidem avançar com recurso a rebarbadoras e martelos pneumáticos para abrir um buraco na parede.
Está uma mulher morta lá dentro, numa cama.
A psicóloga do INEM, Joana Anjos, procura os familiares e fala com eles.
"Se encontramos um objeto da pessoa, tentamos perceber quem é que quer receber o objeto, explicamos em que condições está e tentamos sempre antecipar a pessoa para o que vem a seguir. Tentamos também perceber se querem roupas específicas para envolver o corpo quando sai ou se o querem ver", explica.
Joana Anjos fala em inglês com o filho da vítima, Mehmet, de 28 anos.
Explica-lhe que vai ver o corpo e que depois lhe dirá em que estado está para ser o filho a decidir se o quer ver ou não.
Perto de uma hora de trabalho depois, surge um caixão singelo de madeira para o corpo, trazido pela família.
"Obrigado, obrigado, obrigado", dizem em turco vários dos presentes, enquanto uma familiar chama pelo nome da mulher: "Leila, Leila!".
Quando o corpo é retirado, devidamente tapado e posto no caixão, Mehmet, emocionado, faz questão de abraçar um a um todos os operacionais portugueses no terreno.
Perdeu a mãe e também a irmã, que morreu no hospital, depois de ter sido retirada com vida daquelas mesmas ruínas.
"Por vezes, sinto-me louco", desabafa à Lusa o jovem que estava a trabalhar no Dubai e que viajou assim que pôde para a sua terra natal.
Durante os abraços aos portugueses, vai repetindo: "Nunca vos esquecerei".