Elite foi cúmplice dos monstros
Estudo sobre os abusos no seio da Igreja põe em causa os bispos que encolheram ombros
Boa noite!
Pelo menos 14 casos de abusos sexuais de crianças no seio da Igreja Católica madeirense foram reportados pela Comissão Independente a quem foi encomendado um estudo que ficou pronto em pouco mais de um ano.
Mais do que números eloquentes e graves, mas que representam uma ínfima parte da realidade cruel, o relatório confirma a monstruosidade dos que se escudaram no divino para crucificar inocentes e destruir vidas. E mostra os “crimes hediondos”, como admitiu o presidente da CEP, o madeirense José Ornelas, que não se reparam apenas com o elementar pedido de perdão, nem com o consequente e severo castigo dos abusadores, alguns dos quais ainda entretidos com actividades eclesiásticas.
A Igreja tem que fazer o que durante décadas teimou ignorar e encobrir. E entre todas tarefas recomendadas, desde o reconhecimento da existência e extensão do problema ao compromisso na sua adequada prevenção futura, será que tem consciência do dever moral de denúncia e colaboração com o Ministério Público em casos de alegados crimes de abuso sexual? Sabe o que implica cuidar da formação e supervisão continuada e externa de membros na área da sexualidade com a qual sempre teve dificuldade em lidar? Sabe que tem de acabar com espaços físicos fechados, individuais, enquanto locais de encontro e prática religiosa e ter “manuais de boas práticas” e locais de apoio ao testemunho e acompanhamento das vítimas e familiares, a quem deve dar apoio psicológico?
Mas que Igreja será incumbida de tamanha redenção? A hierárquica que enxovalha os membros da Comissão Independente, a que suaviza a culpa evidente e que distribui os males por outras instituições? A que faz de conta que não marginaliza, a que se preocupa meramente com a imagem hipócrita e a que atraiçoa relações de confiança?
Há muitos cúmplices destes crimes. O relatório aponta alguns sobretudo quando dá conta das entrevistas feitas aos bispos diocesanos e releva que “a intensidade e gravidade dos sinais dados pelas pessoas vítimas não encontraram tradução nos testemunhos desta elite”. A Comissão deixa em aberto questões em torno de uma “posição defensiva face ao risco de eventuais suspeitas e acusações de ocultação” e da “ilustração de clericalismo”.
Perante dados irrefutáveis, esta gente que deu “prioridade à defesa da reputação institucional da própria Igreja em detrimento da empatia com a voz, o sofrimento e a credibilidade da vítima” não pode continuar a liderar dioceses à espera que o tempo promova o esquecimento e a outra face faça o resto.