Mais de 400 organizações condenam projeto de lei que regula ONG na Venezuela
Organizações e personalidades venezuelanas condenaram no domingo a nova lei sobre a atuação e o financiamento das ONG, em vias de aprovação final no parlamento, por tentar "suprimir o direito à livre associação" no país.
"Expressamos à comunidade nacional e internacional o nosso alarme e condenação do 'projeto de lei' (...) num contexto de ataques e assédio contra a sociedade democrática do país, incluindo a perseguição de sindicalistas e líderes gremiais, assim como obstáculos e processos judiciais contra jornalistas e meios de comunicação social independentes", lê-se num comunicado assinado por 414 organizações não governamentais e 32 personalidades venezuelanas.
A nota explica que, em 24 de janeiro de 2023, a Assembleia Nacional (parlamento, onde o chavismo detém a maioria) da Venezuela aprovou o projeto de lei de fiscalização, regularização, atuação e financiamento das ONG, no primeiro de dois debates, "pela via expressa, sem nenhuma discussão do conteúdo do texto, desrespeitando o procedimento estabelecido para a formação de leis".
"O projeto de lei não foi publicado em nenhum sítio oficial e é conhecido apenas informalmente, a partir da sua exposição de motivos (...). Suprime o direito humano à liberdade de associação e fecha o espaço cívico, permitindo a cooptação do tecido social e represálias contra todas as formas associativas autónomas da sociedade, em violação dos tratados internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Estado venezuelano e da Constituição nacional", explicam.
Se for aprovado, "despojará a sociedade venezuelana das suas capacidades e liberdades para assistir-se, organizar-se, expressar-se, defender os seus direitos, participar nos assuntos públicos e procurar a solidariedade, proteção e cooperação internacional, para enfrentar a grave crise dos Direitos Humanos e a complexa emergência humanitária que afeta a população, em setores e áreas das suas vidas (civil, política, laboral, económica, social, humanitária, cultural e ambiental)".
O documento sublinha que "declara a inexistência de todas as formas de associações sem fins lucrativos, já registadas ou em funcionamento de facto, desde que não se adaptem às disposições da lei, em violação do princípio da não retroatividade".
Também que há "uma desproporção em requisitos obrigatórios e de renovação constante, sem limites de tempo, nem critérios de avaliação claros ou garantias de devido processo", o que "faria impossível o seu cumprimento, deixando todas as associações e fundações numa situação de insegurança jurídica indefinida".
"A isto, somam-se sistemas de registo adicionais, que não foram implementados e que os organismos do sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos avaliaram como instrumentos violadores da liberdade de associação e das normas do espaço cívico", explicam.
No documento lê-se ainda que o projeto de lei "desconhece as garantias do conteúdo essencial do direito e é profundamente abusivo em todos os âmbitos" e que impõe propósitos em atas e estatutos, intervém na composição dos integrantes e restringe âmbitos geográficos de atuação e dispõe a fiscalização do Estado na documentação e labores.
"As sanções, excessivas e desproporcionadas", incluem a suspensão, dissolução, multas confiscatórias, responsabilidade civil e penal por infrações de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, e "podem ser aplicadas com ampla discrição por não acatar proibições ou por incorrer em 'atos ilícitos' imprecisos ou ambíguos", como receber contribuições com fins políticos, promover ou permitir ações contra a estabilidade nacional e as instituições da República e o financiamento de 'fatores estrangeiros'", entre outros.
A nota alerta ainda para a criação de um regime diferenciado discriminatório entre organizações sociais de caráter "popular, comunitário e comunal" e as ONG, e pede que seja posta de lado a aprovação do projeto lei, incluindo a sua reforma o outra norma legal ou legislativa com sentido similar.
Também que sejam respeitados os limites dos Estados em tratados internacionais de Direitos Humanos no estabelecimento de normas que afetem o direito à liberdade de associação e os padrões de um ambiente livre e seguro do espaço cívico.