Real história de amor
Chamava-se Perpétua, nasceu nas serranias da Camacha em 1891.
Tempos difíceis no sítio da Ribeira dos Boieiros, naquela freguesia, tempo de pés descalços a pisar granizo. Contava ela que, muitas vezes era necessário afastar o granizo com uma pá, para que se pudesse abrir portas, para entrar em casa. Vivia com a mãe e suas irmãs, já que perdera o pai em tenra idade. A faina Agrícola era a sua ocupação, alimentavam-se daquilo que a terra dava, indo vender o remanescente à cidade, numa longa caminhada, carregando os produtos que iam vender e, no regresso carregavam os produtos que compravam na cidade, essenciais ao dia a dia, já que o dinheiro das vendas servia para isso mesmo.
Um dia, passou lá por casa um rapaz, que lhes comprou uma vaca.
Contas feitas, vaca paga, o rapaz despediu-se dizendo o seguinte:
- Eu hoje vim cá por causa da vaca, mas outro dia, virei por outro assunto.
E o rapaz voltou; voltou com uma proposta de casamento.
Queria a Perpétua. Houve hesitação, algum receio, mas houve consenso entre a família, pensou-se que numa casa de mulheres, o pulso de um homem seria uma mais valia, (dizia ela) e acertou-se o casamento.
Francisco, se chamava ele, casou com a sua Perpétua e vieram a ser os meus avós maternos.
Assim encetaram uma a vida a dois, enfrentado de mãos dadas as vicissitudes da vida, assim como as suas beneficies, caminhando lado a lado.
Foi em esse caminhar, que em 1936, acreditaram nas anunciadas aparições da Virgem Maria em Santana e lá palmilharam caminho, até à distante freguesia nortenha por várias vezes, para verem uma Virgem, que nunca chegaram a ver. Não viram a Virgem, mas não sei se, por milagre, ou se por ironia do destino, o meu avô apaixonou-se por Santana e por lá quis fixar residência, embora a minha avó não compartilhasse dessa decisão.
Contava ela que, alguém a aconselhou a ficar na sua terra e deixasse o seu Francisco ir viver só para Santana.
- Não, eu não fiz isso, já que Nosso Senhor nos juntou, eu vim com ele; disse-nos. Assim, deixavam a Camacha numa despedida em que a família se juntou, com lenços a acenar até que os seus passos ultrapassassem o cabeço mais alto, perdendo assim a sua terra de vista, onde a Perpétua só lá voltou uma única vez de visita.
Acertaram na escolha; criaram o seu novo ninho num local soalheiro e de terreno fértil que lhes proporcionou uma vida estável, viveram bem um para o outro, numa felicidade compartilhada, mais por culpa da minha avó, cuja maneira de ser afável e humilde respirava amor, em tudo quanto à rodeava.
A sua fé ajudava-os a vencer as dificuldades que a vida por vezes nos impõe, rezando diariamente o seu terço antes de dormir, agradecendo a Deus o dia que tinham tido.
Foi um casamento feliz, onde os protagonistas nunca se tratavam por tu, até que um dia, a separação foi inevitável e, a minha avó partiu.
Partiu alguns anos antes do meu avô, e, quis o destino, que por coincidência, o meu avô quando partiu, tivesse como última morada, aquela onde repousava a sua amada. Assim foram: Juntos na vida, juntos na morte.
José Miguel Alves