Ao sétimo dia, a esperança de quem espera esfuma-se
Erol ainda acredita que irá ver os filhos, Adaled diz que a esperança de encontrar a irmã vai e vem, e Tolga já só quer recuperar os corpos dos pais para poder fazer um funeral.
Os três olham, às vezes com expectativa outras vezes apáticos, para um monte de ruínas, onde antes estava um prédio de sete andares que era casa para 100 pessoas, no centro da cidade turca de Kahramanmaras, uma das mais afetadas pelos sismos que ocorreram na segunda-feira e que afetaram gravemente o sudeste daquele país.
Adaled, Erol e Tolga estão desde segunda-feira no mesmo sítio, 24 horas por dia, à espera de encontrarem os seus familiares. A imagem multiplica-se por outras ruas de Kahramanmaras, mas também de outras cidades turcas afetadas pelo sismo, com familiares, junto aos escombros, à espera de alguma notícia, boa ou má.
Os três desenham os apartamentos e a sua disposição original, para ajudar as equipas de resgate a dar sentido àquilo que agora apenas parece um monte de entulho.
Adaled, de 50 anos, mostra à Lusa as suas mãos gretadas e vermelhas por causa do frio que passa todos os dias, à espera de novidades sobre a sua irmã.
"Quanto mais o tempo passa, mais a esperança se vai perdendo. Custa cada vez mais acreditar. São sete dias. De tempo a tempo, a esperança vem, mas de tempo a tempo a esperança também desaparece", admite a mulher.
Naquele prédio, que colapsou em segundos, já terão sido retiradas com vida 15 pessoas, mas o número de cadáveres que já seguiram nas carrinhas das morgues é superior: cinquenta, conta outro homem, ainda com familiares por encontrar naquele prédio.
Erol Ince conseguiu escapar de um edifício vizinho a ruir, saltando de uma das janelas do terceiro andar, onde morava, aproveitando os escombros de um prédio vizinho, que caiu para a frente da sua casa, e que serviu de base para conseguir chegar ao chão.
Está à espera, também 24 sobre 24 horas, de saber dos dois filhos, um rapaz de 13 anos e uma rapariga de 21 anos, que terão ficado soterrados.
"Nos primeiros dois dias, com a neve a bloquear as estradas e acessos, estávamos aqui sozinhos, sem nenhuma ajuda", notou Erol, frisando, no entanto, que a culpa não é do Governo, "que está a fazer o seu trabalho".
Outro homem, que não se quis identificar, alertou que, sendo uma região conservadora, onde o partido AKP do Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, tem um forte apoio popular, não será possível ouvir críticas sobre como o Governo turco tem lidado com a situação, realçando que apenas ao terceiro dia viu uma equipa de resgate de Istambul e "sem qualquer equipamento".
As críticas, feitas de forma mais aberta, dirigem-se para os construtores dos edifícios (já foram emitidos mais de 110 mandados de detenção contra construtores e engenheiros civis).
Tolga, professor de 43 anos, realça que o construtor do prédio onde os seus pais viviam é o mesmo de todos os restantes edifícios que colapsaram naquela rua, junto ao estádio do clube de futebol local.
Adaled e Erol confirmam e apontam para todos os outros edifícios que colapsaram num raio de 50 metros.
"Todos destruídos. Todos do mesmo construtor", vinca Adaled.
À agência Lusa, Tolga conta que espera encontrar os corpos dos pais no edifício que tem à sua frente e o corpo da irmã, no prédio ao lado, também completamente destruído.
"Estou farto de estar à espera. Estou aqui há sete dias à espera. Só quero que os corpos dos meus pais e irmã possam ser retirados, para lhes poder fazer o funeral e iniciar o meu luto", vincou Tolga, sem qualquer esperança.
Junto ao local onde os três esperam, vão-se amontoando pertences de pessoas que viviam no prédio e que vão sendo encontrados nos escombros: peluches de diferentes cores, fotografias de família, livros, cadernos escolares, uma mochila de criança, sapatilhas, e junto a um poste de eletricidade, um alcorão retirado dos escombros e posto em cima de livros técnicos (o livro sagrado não pode nunca estar no chão nem com outros objetos por cima do mesmo).
Tolga pára para fumar, em silêncio, enquanto observa as ruínas do prédio, onde ainda estarão os seus pais.
Por momentos, desvia o olhar dos escombros e prende a atenção num caderninho cor de rosa acabado de ser retirado dos escombros por um voluntário e que é atirado para o monte de pertences.
Tolga pega com cuidado no caderno e folheia-o -- é de uma rapariga que tinha sido encontrada morta do dia anterior.
O professor liberta um ligeiro sorriso e um olhar terno, enquanto lê.
Logo a seguir, um primo seu chega com fotos recuperadas dos escombros do edifício vizinho, onde estaria a sua irmã.
Tolga agarra numa pequena foto passe, retirada dos escombros, e chora compulsivamente. Passa-lhe a mão, como se fizesse uma carícia, e guarda a foto, com cuidado, na carteira.
"Era a minha irmã", diz, conjugando o verbo no passado, já desacreditado de qualquer chance de a encontrar com vida.