Era uma vez… Um Éden
Sempre ouvi dizer que quem não conhece a história tende a repeti-la. Marx defende que "a primeira vez como tragédia, a segunda como comédia”. Ora bem, ainda que tenhamos cada vez mais facilidade de acesso à informação, seja ela histórica, local ou mundial, parece-me que vivemos numa espécie de loop interminável, como Dark, 1899, um Matrix ou até mesmo um Regresso ao Futuro infindável (para quem não está familiarizado com as mais recentes viagens no tempo/espaço da Netflix).
Olhando para trás, não me parece recordar de uma altura que não se falasse em crise económica, ou ameaça desta. Tudo é desculpa, para que o dinheiro se evapore como água no deserto. Nos dias que correm, tudo faz ainda menos sentido numa espécie de bipolaridade das exigências sociais, onde o equilíbrio deixou de fazer parte do quotidiano.
Estudamos, pagamos propinas anos a fio, para podermos trabalhar e melhorar a qualidade de vida; no entanto, toda a conjuntura implica que trabalhemos em prol de um valor que nem chega para pagar contas? As notícias mencionam uma classe média que não tem dinheiro para pagar as contas; de licenciados e mestres a recibos verdes por tempo indeterminado, numa luta pela sobrevivência.
Em terra cujo percurso histórico de tempestades devastadoras que destruíram as produções agrícolas, que forçavam a população à emigração ilegal e até à existência de escravatura branca no Brasil (entre outros locais) em meados do século XIX, estaremos nós condenados a viver num inferno disfarçado de paraíso? Haja uma Lei Áurea que nos salve, que já não se pode com esta vergonha.
Reclamemos depois que a taxa de natalidade baixou como nunca, que não há madeirenses na Madeira, que se formam cá (ou no País) para depois aplicarem conhecimento adquirido fora do país. Não serve muito ter filhos só por ter, não os educar, não se relacionar com eles, sem lhes conseguir provir de uma vida e uma educação dignas. A escola serve para os ensinar, mas os princípios e valores são transmitidos em casa (agora em casa de terceiros, porque isso são outros luxos que não conseguimos sustentar), no seio familiar, como é que é suposto termos o discernimento e a paciência que uma criança exige se estamos atolados com tudo o resto? Estão criadas todas as condições para caminharmos a passos largos para uma nova era decadentista.
Longe vão os tempos em que o ‘trabalho dignifica o Homem’ o pagamento de impostos que nos sobrecarregam. Ou será o aumento estapafúrdio do custo médio de vida na RAM um convite para nos irmos embora? Como um casal que já não se suporta e vive uma relação de amor-ódio, à espera que o outro abandone primeiro o inferno em que vive. O grande prémio, um lar repleto de péssimas memórias onde reavivam as discussões, as brigas, os gritos, e por aí vai. É suposto educarmos uma criança num ambiente destes? É suposto as pessoas terem falta de liberdade de escolher viver sozinhas ou com quem escolhem ao invés de ficarem presas com um inimigo mortal? Pois, porque não há ordenado mínimo que suporte. E porque é que todos têm de receber o mínimo? Não haverá empregos que sejam dignos de um valor bem superior? Mas qual a entidade patronal que conseguiria suportar tamanha despesa? Porque não se trata apenas de receber, é preciso que seja possível pagar. O debate vai, novamente, bater ao mesmo. E não deve haver ambição que aguente, nem nevoeiro denso o suficiente que nos traga D. Sebastião…
O “seja o que Deus quiser”, e o “vai correr tudo bem”, há muito que não nos acalmam a ansiedade.
João Diz