Portugal tem de ser muito melhor
Com o aproximar das celebrações dos 50 anos da Revolução dos Cravos, tenho a certeza que aqueles que lutaram pela nossa liberdade não imaginaram, nunca, que passados estes anos estaríamos num dos períodos mais conturbados da nossa história.
Não há máquina propagandística que consiga escamotear o estado de um país falhado, que outrora marchou contra os canhões, por mares nunca de antes navegados. O estado de apodrecimento da democracia nunca foi tão evidente, e cada vez mais me convenço de que ainda não se cumpriu abril e, muito menos, se cumpriu novembro.
Hoje, vejo um país em que o Ministério Público, embebedado pela sua ânsia de condenar tudo e todos, se vê arrasado vezes sem conta nos tribunais.
Um país com médicos em protestos porque se recusam em serem escravos do Estado.
Um país com os professores em greves e com 40 mil alunos sem aulas por falta de docentes.
Um país em que as famílias e as empresas são asfixiadas com impostos.
Um país com os serviços públicos a dar as últimas.
Um país em que, em 4 anos, o número de sem abrigos aumentou 78% apontando para dez mil pessoas nesta condição social.
Um país com uma economia estagnada, sem criação de riqueza, vivendo à custa da solidariedade da UE, ignorando a iniciativa privada e esbanjando o dinheiro do contribuinte em empresas falidas.
Um país em que o Governador do Banco de Portugal, mentiu acerca do maior magistrado da Nação – o Presidente da República.
Um país em que a Secretária de Estado da Agricultura não se mantém no cargo nem 24 horas, por se ver envolvida num caso de corrupção.
Um país em que um Ministro, agora candidato à liderança de um partido, anuncia, por despacho, a nova localização do aeroporto, que também não dura 24 horas – o despacho foi revogado pelo, então, Primeiro-Ministro.
Um país em que ainda esse mesmo Ministro autoriza, por WhatsApp, uma indeminização de meio milhão de euros a uma futura colega de governo, (alegadamente) esquecendo-se que o fez, mas num ápice, sob efeito de memofante, assume responsabilidades e apresenta a demissão.
Um país em que um Ministro vê os seus funcionários envolvidos em cenas de pancadaria, mas, ainda que tenha apresentado a demissão, continua no governo.
Um país em que o Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, já arguido antes da nomeação, foi acusado, em plenitude de funções, do crime de prevaricação.
Um país em que, por falta de vagas, morre uma grávida, levando à demissão da Ministra da Saúde.
Um país em que o chefe de gabinete do Primeiro-Ministro, anteriormente arguido no caso Galpgate, esconde 75.800€ no Palácio de São Bento.
Um país em que o Primeiro-Ministro cercado pelas más companhias escolhidas pelo próprio, usa o seu cargo para reverter o que sempre defendeu. A frase “à política o que é da política, e à justiça o que é da justiça” perdeu todo o seu valor, depois da declaração de 11 de novembro.
Este é o estado da nossa Pátria. O colapso institucional e o nepotismo instalado levam à desconfiança dos cidadãos e ao aumento dos extremismos. As eleições de 10 de março são uma oportunidade de virar a página de uma governação lastimável, em que a promiscuidade e a luta pelo poder se sobrepuseram à resposta dos anseios do povo.
O cenário é difícil. O PS que, assombrado com o passado, se vê confrontado com uma disputa interna entre um Ministro demitido e outro demissionário. O PSD que procurou unir a direita democrática, mas viu-se confrontado com a arrogância dos liberais que preferiram priorizar os interesses partidários em detrimento do interesse nacional – pode ser que tal arrogância os leve a serem ultrapassados pelos amigos bloquistas. Uma direita radical radiante com a degradação do país, e ainda mais lunática a olhar para as sondagens. Uma campanha eleitoral que, em vez de se centrar em ideias e projetos políticos, priorizará a discussão de soluções governativas. Uma disputa eleitoral que debaterá os populismos de direita, mas esquecerá a demagogia da esquerda. E um Presidente da República agoniado com a possibilidade de ter de voltar a dissolver o Parlamento.
Não estamos condenados a este fracasso. Portugal pode ser muito melhor. Portugal tem obrigação de ser muito melhor.