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O Ambiente não é prioridade? Azeri!

A decisão da ONU de entregar ao Azerbaijão a organização da COP29 é reveladora de um problema intrínseco das instituições internacionais quando deparados com a emergência climática – estão presas uma encruzilhada entre a proteção de direitos humanos e a proteção do planeta. Este artigo defende o seguinte argumento sobre a dicotomia ambiente vs direitos humanos: 1) insistir neste “trade-off” ao organizar eventos cruciais para o futuro do clima em países que não contribuem para a transição energética, enquanto são acusados de oprimir jornalistas e de perseguirem adversários políticos, retira legitimidade às lutas climáticas institucionais e às próprias instituições. A ideia de que estas duas dimensões podem ser separadas, como salientou o ministro Duarte Cordeiro quando questionado sobre a escolha do Azerbaijão, é uma falácia. Relembro que a primeira conferência da ONU sobre alterações climáticas (1972, Estocolmo) versava sobre a temática do “Ambiente Humano”, pois os ecossistemas influenciam e são influenciados pela ação humana, logo o garante dos direitos humanos é condição necessária no quadro do combate à emergência climática.

A escolha do Dubai para organizar a COP28, que agora findou, gerou polémica em 2022. O historial dos EAU no que toca à defesa dos direitos humanos está longe de ser perfeito, com um longo historial de repressão a ativistas políticos ao longo das últimas décadas. Hoje, dias após o término da cimeira, a controvérsia sobre a escolha do Dubai dissipou-se perante o mediatismo das medidas sonantes que anunciam para 2050 o fim dos combustíveis fósseis. No entanto, as notícias da morte do combustível fóssil, apesar de desejáveis e desejadas, talvez tenham sido manifestamente exageradas. Os ativistas ambientais acusam a COP28 de ter sido um exercício performativo atestado de medidas estéreis.

No entanto, é indelével a marca que o COP28 deixou na opinião pública internacional, apresentado como um oásis de contenção da temperatura média do planeta e de medidas para a transição energética decretadas num país cuja economia depende da exportação de petróleo. Este compromisso mediado pelos Emirados Árabes Unidos inaugura o reconhecimento da necessidade de reduzir de forma drástica a utilização de combustíveis fósseis por parte de economias superavitárias que vivem da exploração petrolífera.

A primeira avaliação das medidas decretadas no COP28 será concluída no COP29, o que me traz de volta à cimeira agendada para 2024 no Azerbaijão. A hipótese Azerbaijão surge após a UE não ter tido a força institucional para viabilizar a opção Bulgária perante a oposição russa, deixando a decisão final entre os inimigos históricos - Arménia e Azerbaijão. Quando a decisão sobre o evento mais importante do ano a nível ambiental obriga a uma escolha entre dois países imbuídos no contexto histórico que envolve estas duas nações, que disputam territórios no Nagorno-Kharabakh há mais de três décadas, essa decisão passa a ser única e exclusivamente política. O simpósio terminou com o anúncio do Azerbaijão como próximo organizador da COP, apresentando-se como o mínimo denominador comum entre os atores mais influentes na ONU. É uma solução que colhe a simpatia das hostes de Putin, da União Europeia e da administração Biden. Posto isto, o que é que se passa na agenda climática para a ONU escolher um dos países com pior classificação no ranking da Freedom House, bem como um dos principais centros de produção de combustível fóssil mundial para mediar a maior cimeira ambiental em 2024?

O Azerbaijão é uma escolha que não fere os interesses geopolíticos russos, apesar de o regime Azeri se apresentar como o mais forte candidato a substituir a Rússia na exportação de combustíveis fósseis para o mundo ocidental. Aliás, o modus operandi de Putin e de Aliyev, presidente azeri desde 2003, inspira-se numa linha conservadora de líderes soviéticos, muito semelhantes nos seus métodos de governação. Ambos não reconhecem a soberania de nações adjacentes, o que resultou na invasão da Ucrânia, no caso russo, e na ameaça permanente à segurança da população arménia do Nagorno-Karabakh, no caso azeri. Este último conflito teve os seus últimos despojos no fim do verão de 2023 com o êxodo de mais de 100,000 pessoas de etnia arménia, residentes em Stepanakert, para território arménio, perante a ameaça das forças militares azeris, incluindo acusações de uso de armamento contra civis na região.

Apesar disto, depois de gorada a candidatura da Bulgária, o Azerbaijão apresenta-se como uma proposta viável para a mediação da COP29, também segundo os interesses europeus. As relações tensas com a Rússia e a ameaça prioritária da crise energética na União Europeia tornam a cimeira do clima uma oportunidade para estreitar relações entre a UE e um dos países com potencial para tomar um “share” significativo do mercado da energia Rússia-Ocidente. Por seu lado, os EUA juntam-se à União Europeia na procura de garantir um substituto da Rússia, que possa prevenir a crise energética, enquanto reconhecem que a escolha do Azerbaijão para o COP29 colheria menor contestação do governo arménio do que o contrário. O primeiro-ministro Arménio, Nikol Pashinyan, apesar da hostil relação entre as duas nações, reiterou a importância de olhar para o Azerbaijão como um legítimo organizador da COP29, numa tentativa de solidificar o acordo de paz assinado após os recentes incidentes em Nagorno-Kharabakh.

Em suma, os principais líderes mundiais e personalidades reconhecidas no âmbito da proteção ambiental voarem para o Azerbaijão, com o objetivo de discutir o futuro da agenda climática tem potencial para funcionar mais como uma manobra de marketing energético do governo azeri e de defesa das acusações de violação dos direitos humanos, do que um passo sólido para uma transição definitiva para uma economia verde. Aliás, verifica-se assim a persistência da utilização dos COP e da sua organização como arma geopolítica para limpeza da imagem pública de regimes opressivos. Este é mais um exemplo paradigmático do interesse da ONU em priorizar o equilíbrio geopolítico, enquanto relega a proteção do ambiente e a preservação dos direitos humanos universais para o banco de suplentes.