Música para a vida
A expressão artística tem-se tornado numa ferramenta poderosa para partilhar mensagens que articulam vários aspetos da consciência social
Na quinta-feira passada tive a oportunidade de participar numa iniciativa que foi não só uma oferta musical inserida na época festiva, mas também uma ação de caridade e uma sensibilização para o esplendor sonoro de instrumentos de sopro que é capaz de levar as emoções ao rubro. O concerto apresentado pela Banda Militar da Madeira, em colaboração com o Coro de Câmara da Madeira e o Conservatório – Escola das Artes da Madeira, apresentou os temas natalícios sobejamente conhecidos, tanto estrangeiros como madeirenses, numa orquestração que os revestiu de uma intensidade emocional invulgar, a qual foi transmitida também pela solista convidada, a soprano Cláudia Sousa. O concerto proporcionou também a oportunidade de os presentes contribuírem para o trabalho da Cáritas Diocesana do Funchal, numa época em que nos lembramos dos desfavorecidos e todos os que, para além duma palavra amiga, precisam de apoio concreto para poderem viver as suas vidas com dignidade.
A música tem efetivamente assumido um papel importante na divulgação e promoção das causas sociais, e também diretamente na angariação de fundos dedicados aos fins de caridade. Os conhecidos músicos e cantores, tanto do meio clássico como de praticamente todos os outros géneros musicais, reconhecendo o seu dever moral, frequentemente assumem a sua responsabilidade social e promovem iniciativas através das quais podem devolver à sociedade pelo menos alguns dos benefícios que a mesma lhes tem proporcionado.
Ao longo dos tempos, a expressão artística tem-se tornado numa ferramenta poderosa para partilhar mensagens que articulam vários aspetos da consciência social. Comunicando num nível que dispensa de palavras, a música tem, no entanto, o poder de despertar emoções, encorajar empatia e entendimento, suscitar pensamentos e inspirar ação. Muitas organizações pelo mundo fora reconhecem o poder da arte e usam-no para fazer crescer a esperança e expressão pessoal, tal como oferecer apoio e inspiração.
Contudo, o momento fulcral do processo da integração social é mesmo o início da educação duma pessoa jovem. Uma vez que não há experiências mais vivas e influências mais fortes do que viver a arte no momento da sua criação, a importância das iniciativas que incentivam as crianças e jovens a se expressarem através das artes, e da música em particular, têm crescido muito durante as últimas décadas.
Os exemplos tais como Ação Social pela Música do Brasil (ASMB), Music for All (Reino Unido), El Sistema (Venezuela) e Orquestra Geração (adaptação do El Sistema em Portugal) são apenas algumas das referências nesse sentido. A ASMB é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, cuja missão é a educação social e cultural através do ensino da música clássica, a fim de promover a inclusão social de crianças, adolescentes e jovens de comunidades em situação de vulnerabilidade social. El Sistema é um modelo didático musical, idealizado e criado na Venezuela, que consiste num sistema de educação musical pública generalizada, com acesso gratuito e livre para crianças e jovens adultos de todas as camadas sociais. A Orquestra Geração surgiu no ano letivo de 2007/2008, aplicando em Portugal o método adaptado do El Sistema e desenvolve a sua atividade em vários municípios portugueses, com a participação de várias instituições governamentais e particulares. O seu projeto de intervenção social através da música continua a receber convites para atuações de diversas instituições nacionais e internacionais. O projeto Music for All pretende melhorar o acesso às práticas musicais, com o objetivo de melhorar as próprias vidas dos participantes e das suas famílias.
Há lugares e ocasiões para podermos desfrutar de música do mais alto nível. Há também lugares e ocasiões em que a partilha é mais construtiva e mais importante do que o nível alcançado. Mas apenas quando a alegria e o prazer da partilha alicerçam o futuro duma criança é que se cria a base para se poder subir de nível, e aí cada um conhecerá os seus próprios limites. Os que conseguirem chegar aos patamares mais altos terão então a oportunidade e, sim, o dever de ajudar a começar construir os alicerces da próxima geração. Porque também houve alguém que os ajudou a erguer os seus próprios alicerces.
Desejo a todos os leitores um Bom Natal e feliz Ano Novo!