"Somos muito mais definidos pelo Amor que vivemos que pelos bens que possuímos"
As palavras foram proferidas pelo bispo D. Nuno Brás na Homília da Missa do Dia de Natal
O bispo do Funchal, D. Nuno Brás, presidiu, esta manhã, à Missa do Dia de Natal, na Sé Catedral do Funchal, durante a qual proferiu uma homília em que sublinhou que "Deus propõe-nos uma nova humanidade".
E, assim, ao olhar para Jesus, percebemos como somos muito mais definidos pelo Amor que vivemos que pelos bens que possuímos ou pelos nossos dotes ou incapacidades. Somos definidos pelo Amor que nos dispomos a acolher do próprio Deus, e de que queremos ser transparência para quantos nos rodeiam. D. Nuno Brás, bispo do Funchal
Leia na íntegra a Homília da Missa do Dia de Natal:
“Nestes tempos que são os últimos, Deus falou-nos por meio de Seu Filho” (Heb 1)
1. “Deus falou-nos por Seu Filho”. Deus não era desconhecido para o povo de Israel: pelo contrário, Israel era o Povo de Deus, Sua presença no meio do universo.
Deus já se tinha mostrado de várias formas: tinha-se mostrado na criação e nas suas maravilhas; tinha-se mostrado ao dirigir-se a Abraão e aos outros patriarcas, acompanhando-os ao longo da sua vida; tinha-se mostrado actuando na história para salvar Israel da escravidão do Egipto; tinha-se mostrado nas palavras dos Profetas e nas páginas da Sabedoria.
Mas, agora, todas essas formas de Deus se revelar se resumem e reúnem — e são mesmo ultrapassadas — na Pessoa de um homem: Jesus de Nazaré. Como afirma o Concílio Vaticano II: “Vê-lo a Ele é ver o Pai — com toda a sua presença e manifestação da sua Pessoa, com palavras e obras, sinais e milagres, e sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição, e finalmente com o envio do Espírito de Verdade, [Jesus] completa totalmente a revelação, e confirma-a com o testemunho divino” (DV 4).
Deus mostra-nos o seu rosto: é o rosto de Jesus de Nazaré. Deus mostra-nos as suas mãos: são as mãos de Jesus de Nazaré. Deus mostra-nos o seu coração: é o coração de Jesus de Nazaré.
Em Jesus, tudo o que antes o ser humano conhecia acerca de Deus é levado à perfeição. Tudo encontra a sua luz. E tudo é surpreendentemente superado: nenhum profeta, nenhum sábio, nenhum visionário tinha reivindicado ou sequer imaginado que Deus se pudesse fazer homem. E, muito menos, que se fizesse homem pobre, necessitado, indefeso, como hoje O contemplemos no Presépio.
Com Jesus — com o Menino do Presépio —, descobrimos como Deus é um mistério infinito de Amor, e como insistentemente ama a todos e não desiste de ninguém. Descobrimos que Deus é o Salvador: que não hesita em se humilhar até à morte; que não hesita em oferecer a sua vida substituindo-se a cada pecador. Descobrimos que, longe de ser um herói vitorioso ou uma “majestade serena”, é antes um Pai que aguarda impaciente o regresso do Pródigo. Descobrimos nele uma liberdade infinita que nos faz ser livres e que garante a nossa liberdade. Descobrimos que o único pedido que nos faz é o de retribuirmos o Seu Amor.
2. No Menino do Presépio, Deus mostra-nos quem é. Mas, ao fazê-lo, mostra-nos igualmente quem somos. Jesus é o espelho, olhando para o qual nos deparamos com a verdade de cada um de nós. Com a medida mais alta de humanidade.
E, assim, ao olhar para Jesus, percebemos como somos muito mais definidos pelo Amor que vivemos que pelos bens que possuímos ou pelos nossos dotes ou incapacidades. Somos definidos pelo Amor que nos dispomos a acolher do próprio Deus, e de que queremos ser transparência para quantos nos rodeiam.
O Menino do Presépio diz-nos que cada um de nós é único, porque único e total é o amor que Deus tem a cada ser humano. Mas diz-nos, igualmente, o quanto dependemos uns dos outros: diz-nos que nunca conseguiremos ser nós mesmos sem o próximo.
O Menino do Presépio diz-nos ainda como cada um de nós é chamado a um destino que supera as nossas capacidades naturais: o destino de partilhar para sempre a vida divina, de viver a Vida Eterna!
3. Compreendemos, assim, como o autor da Carta aos Hebreus pôde afirmar que o tempo — essa possibilidade que nos é oferecida para conhecer a Deus — chegou à sua plenitude com Jesus. Vivemos, de verdade, na plenitude dos tempos. Não porque a tenhamos conquistado com as nossas forças, mas porque Deus no-lo preencheu. Deus revelou-se plenamente. Nada mais nos tem a dizer. “Ao dar-nos, como nos deu, o Seu Filho, que é a Sua Palavra — e não tem outra — disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única, e nada mais tem a revelar”, afirma S. João da Cruz (Subida ao Monte Carmelo, 2,22).
Importa-nos, por isso, regressar constantemente a Jesus, ao Menino do Presépio — que é o mesmo do Gólgota e do Sepulcro vazio — e encontrar nele não só uma inspiração inicial mas o companheiro de vida, o Salvador, e deixar que Ele faça nossa a Sua própria vida.
Fazendo-se homem como nós, hoje Deus pede um lugar no nosso coração; fazendo-se pobre, pede que O acolhamos, e que acolhamos os que necessitam da nossa ajuda; fazendo-se Palavra, pede que mudemos o modo de pensar; realizando sinais e milagres, pede que transformemos o mundo que se encontra à nossa volta. Sendo Homem como nós, Deus propõe-nos uma nova humanidade.
Acolhamos o Menino do Presépio sem qualquer receio. Porque acolhendo-O, acolhemos Deus. E porque, recebendo-O, teremos connosco, em nós, o princípio dum novo modo de viver como seres humanos.