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Crónicas

Que se mantenham as tradições

O Natal devia ser também muito sobre isso. A nossa capacidade de sermos sinceros e verdadeiros com os outros antes de pedirmos qualquer desejo. A capacidade intelectual e a destreza moral e emocional para não jogarmos em dois tabuleiros mas apostarmos nos que nos fazem bem

Esta é uma época cheia de particularidades. Memórias do que tivemos ou não, da infância e dos momentos que partilhávamos em família, das tradições que variam de região para região, de uma família para outra. Cá em casa sempre tive a felicidade de poder viver natais maravilhosos que me enchem o baú das recordações e que acabaram por me moldar e transformar no que sou e no que quero transportar para os outros. A idade vai passando e o entusiasmo vai-se mantendo num outro formato, o de viver coisas diferentes mas com o mesmo significado e a vontade de traduzir para os mais novos o que senti quando era eu da idade deles. Temos essa obrigação, a de no mínimo conseguirmos que os que vêm a seguir o tenham tão bom e tão especial como nós tivemos. É por isso que adoramos sentar a família toda à mesa, com as piadas de sempre, o bacalhau feito da mesma forma ( ao longo dos anos a única coisa que foi adicionada foi o grão ), a broa de Avintes trazida pelos meus primos de Valongo e as famílias de Lisboa que se juntam em Fátima para a tão aguardada ceia.

Mantêm-se as filhoses as rocas e a aletria, foram-se embora com saudade as belhoses com a partida da minha avó. Espero que onde quer que ela esteja as continue a fazer para alguém porque valiam realmente a pena. Os pais natais de chocolate esses continuam a renascer ano após ano escondidos na árvore, à espera que alguém os encontre e os devore, deixando nos ramos a prova do crime. No dia 25 ao almoço o cabrito assado no forno à padeiro mas o Natal aos dias de hoje, começa bem antes, com os “traçadinhos” entre amigos na Tasca da Minda. É tempo de reencontros e de convívios, dos que voltam e dos que ficaram. Dos presentes e dos ausentes. Mas é tempo também de percebermos que o Natal mais do que de desejos é feito de atitudes. Essas atitudes refletem o nosso feitio mas também as nossas escolhas. Do que queremos para nós e do que aprendemos a afastar. Das marcas que carregamos e do que nos queremos aproximar. Nem sempre conseguimos tudo mas como diz a musica dos Rolling Stones “não conseguimos sempre tudo o que queremos mas se por vezes tentarmos, temos o que realmente precisamos”.

O Natal devia ser também muito sobre isso. A nossa capacidade de sermos sinceros e verdadeiros com os outros antes de pedirmos qualquer desejo. A capacidade intelectual e a destreza moral e emocional para não jogarmos em dois tabuleiros mas apostarmos nos que nos fazem bem. Às vezes procuramos demais aquilo que não nos faz falta e damos pouco valor ao que nos faz feliz. Por uma questão de desafio próprio ou por, como diz um amigo meu, gostarmos de colocar os dedos na ficha. Somos atraídos pelo risco e pela aventura mas tal como as tradições de Natal, há coisas que não conseguimos mudar em nós, que fazem parte da nossa essência, da nossa forma de ver o mundo e que dificilmente conseguimos mudar ou se mudamos dificilmente nos preenchem da mesma forma. Se podia comer sushi no dia 24 e uma feijoada no dia 25? Podia, gosto muito de ambos os pratos, mas não seria a mesma coisa. Porque há momentos e vivências que vão muito para além de qualquer sabor instantâneo, remetem-nos para a nossa história.

A magia desta época é muito particular porque nos junta numa viagem de passado, presente e futuro. Vai-nos à caixa das memórias de rompante e sem nos apercebermos já lá estamos a recordar este ou aquele momento perfeito, ao mesmo tempo dá-nos a oportunidade de todos os anos seguirmos com as nossas tradições e de olhos postos no futuro termos a capacidade de as alimentar para que perdurem no tempo, com pessoas que fazem sentido mas também com as que o vivem tão intensamente. É muito especial para mim porque alguém fez de mim especial, durante anos em que sonhava com os presentes mas que vim a perceber depois, o que me dava realmente gozo era estar na presença dos que faziam sentido para mim. E é assim cada vez mais. Por isso é que continuo a viver o Natal da mesma forma, nem melhor nem pior do que outros mas à nossa maneira. E é da minha lareira que vos desejo a todos um Santo e Feliz Natal, que numa altura em que nos tentam impor tantos conceitos novos, possam manter as vossas tradições e serem felizes com quem vos quer bem. Onde quer que estejam!