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Crónicas

O bom, o mau e o fanfarrão

Corria o longínquo ano de 2019. Marcelo, do alto da sua popularidade e provavelmente encegueirado pela mesma, prometia acabar com os sem abrigo em Portugal. A bondade da proposta choca com a ligeireza com que foi feita e, ainda mais, com o facto de quem a lançou não ter competência na matéria. Talvez por isso, Marcelo não tenha arriscado o seu lugar no cumprimento da promessa, tal como tinha feito a propósito da eventual repetição dos incêndios de Pedrógão. Passaram-se alguns anos e lá chegou 2023. Hoje, há mais de 10 mil pessoas a dormir na rua, um aumento de 78% desde que Marcelo prometeu acabar com o drama. Não se preocupe, ainda faltam 8 dias para acabar o ano.

O bom: PIB da Madeira

6 mil milhões de euros. É a soma de todos os bens e serviços produzidos na economia da Madeira ao longo do ano de 2022. Nunca antes a economia regional tinha atingido um valor tão elevado. À marca histórica não será alheio um outro recorde. Pela primeira vez na sua história, a Madeira ultrapassará 10 milhões de dormidas. Não surpreenderá, pois, que o maior contributo para o resultado económico venha da atividade turística. Precisamente a mesma que, nos anos de pandemia, mais afetada foi. Mais do que uma medalha a usar na lapela governativa, o sucesso aritmético da economia regional permite comparação e recomenda perspetiva. Por um lado, permite concluir que a Madeira cresce muito acima da média nacional, apenas sendo ultrapassada pelo Algarve. Para além disso, se analisarmos o PIB por habitante, para além de continuarmos acima da média nacional estamos muito distantes dos Açores, que ocupam o último lugar da tabela. É certo que a proeza económica encoraja louvores - justificados - à opção política pela redução de impostos e pela criação de um clima propício ao investimento. No entanto esse sucesso exige atenção a outras estatísticas. Na Madeira, a taxa de risco de pobreza ultrapassou ligeiramente os 28%. Embora esse índice tenha diminuído face a 2022 e apesar de termos sido uma das regiões onde a taxa mais desceu, é preocupante que continuemos a ser a segunda região do País onde a taxa de risco de pobreza é maior. Mais do que usar a estatística como munição para a artilharia política, seria importante usá-la para afirmar o que está bem e refletir sobre o que poderia estar melhor.

O mau: José Luís Carneiro

Todos os que se candidatam ao exercício de cargos políticos, sejam eles públicos ou partidários, merecem reconhecimento. Nem que sejam, como foi o caso de José Luís Carneiro, lebres numa corrida cujo vencedor estava anunciado antes da partida. Todavia, até no papel de candidato sacrificial, Carneiro montou uma campanha digna, pontuada com um dos melhores resultados de sempre na corrida a secretário-geral do PS. Mas até os políticos moderados, como se assume Carneiro, por vezes até ligeiramente cinzento, são propícios a trambolhões. Para azar de Paulo Cafôfo, líder ungido da agremiação socialista regional e apoiante de Carneiro, o tralho deu-se na Madeira. Em plena apresentação da candidatura, e após o habitual desfiar de qualidades pessoais do candidato que fariam corar um querubim, Carneiro tropeçou na antiga tentação centralista da cultura política dominante em Lisboa. Embora venha do concelho mais interior do distrito do Porto, Carneiro foi fiel à desconfiança lisboeta em relação às autonomias regionais. De acordo com o candidato apoiado por Cafôfo, a autonomia sem responsabilidades é como um carro sem travões. O alerta de Carneiro, com indisfarçável aroma colonial, não mereceu reparo dos seus apoiantes locais. O silêncio é especialmente inquietante vindo de quem, como Paulo Cafôfo, encontrou na Madeira a causa de uma vida. E ali, perante um raspanete que reduziu o regime autonómico a um mero devaneio ilhéu que não dispensa controlo de Lisboa, nada disse. Nem no momento, nem depois, nem por nota de imprensa ou por interposta pessoa. Se foi assim com a causa de uma vida, imagine-se quanto ao resto.

O fanfarrão: Pedro Nuno Santos

Ser tudo e, ao mesmo tempo, o seu contrário. Neto de sapateiro e filho de empresário, radical marxista e socialista moderado, adepto do calote da dívida pública e defensor das contas certas. A fanfarronice de Pedro Nuno Santos expressa bem a disponibilidade do novo secretário-geral do PS para ser o que for preciso para garantir uma vitória eleitoral. Nem que a saudável evolução política se transforme em gritante incoerência. Nas convicções de Pedro Nuno há espaço para tudo e acaba por não restar nada. Há espaço para defender a recuperação total da carreira dos professores e, ao mesmo tempo, alinhar pela importância da redução da dívida pública. Há margem para exigir o fim do recurso aos seguros privados pelo SNS e, simultaneamente, admitir o regresso das parcerias público-privadas em saúde. Há um cantinho para defender o investimento público, outro para reduzir impostos e um último para sublinhar a necessidade de contas públicas controladas. A maionese de convicções preparada por Pedro Nuno Santos, por mais tentadora que seja, não permite esquecer a condição de partida do novo secretário-geral do PS. Em menos de um ano, Pedro Nuno Santos passou de ministro demitido pela irresponsabilidade na gestão da TAP - destratado em público por ter decidido a localização de um aeroporto sozinho - a grande candidato do PS a primeiro-ministro.