Parlamento francês aprova projecto de lei que restringe direitos dos requerentes de asilo
O parlamento francês aprovou um projeto de lei sobre imigração que vai reforçar a capacidade de deportar estrangeiros considerados indesejáveis e que tem provocado um debate interno acalorado sobretudo desde que a extrema-direita decidiu apoiar a medida.
O projeto, que já tinha sido aprovado pela câmara alta do parlamento (Senado) foi aprovado esta madrugada na câmara baixa, a Assembleia Nacional, com 349 votos a favor e 186 contra.
Segundo a primeira-ministra francesa, Elisabeth Borne, o texto do projeto de lei inclui "disposições úteis e eficientes" e que, como acrescentou o ministro do Interior, Gérald Darmanin, vão permitir ao Governo ter "uma maior firmeza contra os infratores estrangeiros".
O projeto ainda terá de ser oficialmente transformado em lei.
A votação aconteceu depois de membros do parlamento da maioria centrista, do Presidente francês, Emmanuel Macron, e do partido conservador republicano terem encontrado um compromisso para permitir que o texto avançasse no complexo processo legislativo.
O projeto tem sido muito criticado por organizações de defesa dos direitos humanos, nomeadamente pela Human Rights Watch (HRW), que alertou para a possibilidade de famílias serem separadas caso as medidas se tornassem lei.
No início de novembro, a HRW avisou que o projeto que estava a ser discutido ameaçava limitar os direitos dos requerentes de asilo e dos migrantes.
"As autoridades francesas estão novamente a tentar apresentar um conjunto de medidas erradas sobre imigração", afirmou na altura a investigadora sénior para a Europa da Human Rights Watch, Eva Cossé.
"Dividir as famílias e diminuir os direitos dos requerentes de asilo não é a resposta às preocupações de segurança do país", sublinhou.
As medidas foram apresentadas pelo Governo em fevereiro, mas, em março, adiou o debate devido à falta de apoio no parlamento.
O projeto permite às autoridades emitir uma ordem para o migrante deixar o território francês, mesmo que a pessoa se enquadre numa categoria protegida pela lei existente.
As proteções existentes abrangem situações pessoais e familiares, como pessoas que chegaram a França antes dos 13 anos, têm residência de longa duração em França ou são cônjuges ou pais de um cidadão francês.
A lei permitirá que as autoridades desconsiderem essas proteções se o comportamento do estrangeiro for considerado "uma ameaça grave à ordem pública", apesar de o projeto de lei não explicar o que é entendido como "ameaça grave" e "ordem pública", alertou a HRW.
O Defensor dos Direitos Francês (que tem funções semelhantes à Procuradoria-Geral da República em Portugal) também criticou fortemente todo o projeto de lei, referindo que as alterações planeadas vão "deteriorar a proteção dos direitos fundamentais dos estrangeiros".
Também a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) criticou as disposições, afirmando que o enfraquecimento das proteções relativas à expulsão de cidadãos estrangeiros -- em particular pais de crianças francesas -- poderá entrar em conflito com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, da qual a França faz parte, e que protege a vida familiar e o princípio da não-separação.
Mas o ministro do Interior francês sinalizou que o Governo pretendia acrescentar ainda outra disposição ao projeto de lei para facilitar a deportação de cidadãos estrangeiros com suspeitas de ligações a "ideologia radical", citando o alegado assassino de um professor numa escola de França em outubro, que foi indiciado por assassinato terrorista.
O projeto de lei também reintroduz uma disposição controversa contra o "separatismo", que tinha sido censurada pelo Conselho Constitucional, a mais alta autoridade constitucional de França, com base na imprecisão.
A disposição, que foi alterada na sequência dessa censura, pode agora ser reinstaurada, permitindo às autoridades retirar ou recusar a renovação de autorizações de residência a pessoas que não cumpram "os princípios da República", uma medida que "parece ter como alvo os muçulmanos que sejam suspeitos de 'separatismo'", referiu a HRW.
Por outro lado, adianta ainda a organização de defesa dos direitos humanos, a lei irá enfraquecer as salvaguardas processuais para migrantes e requerentes de asilo, nomeadamente diminuindo o número de juízes especialistas que apreciam os recursos de asilo, passando de três para um e reduzindo os prazos.
Embora a proposta proíba a detenção de crianças migrantes menores de 16 anos em centros de detenção, continua a permitir a detenção de milhares de menores de idade e de crianças em territórios ultramarinos franceses.