Quando ainda se cosiam as meias…
Dentro de pouco mais de uma semana é Natal!É chegada aquela altura do ano em que…
“…a minha Mãe sorriu e agradeceu.”
Sebastião da Gama escreveu um poema que pode, também, descrever o que se passou naquela noite fria aquecida que foi pelo calor dos poucos que tiveram a fortuna de presenciar um acontecimento que, passados mais de dois mil anos, ainda se comemora como se tivesse acontecido exactamente ontem.
Diz assim, o poema:
“Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
...Somente,
esquecida das dores,
...a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.
As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...
Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...”
A Mãe sorriu e agradeceu…
Era disso que se tratava! E só!
Da felicidade sentida pela Mãe com o seu Menino, ao colo, mesmo que numa manjedoura aquecida pelo calor dos animais que pernoitavam naquele estábulo, o único espaço vazio onde lhes foi permitido pernoitar.
E dar à luz! E dar a Luz!
Naquela noite não houve nada de novo.
Nada que não fosse a ternura que uma Mãe sente quando abraça o seu bebé e o aconchega no calor do seu regaço, como se estivessem sozinhos num mundo que não sabia que havia nascido o Messias anunciado pelos Profetas.
Hoje, passados mais de dois mil anos, já não está tudo como estava!
Há, ainda, a esperança que haja sempre uma Mãe que, esquecida das dores, possa sorrir e agradecer a dádiva que acabou de receber e olhar com ternura para o ser a quem acabou de dar vida.
E há, sempre haverá, uma Mãe que sorri e agradece…
Mas o mundo mudou e mudou e mudou…
E o Menino que então nasceu, cresceu para ser Cristo e, ao crescer para ser Cristo, fazer com que o seu nascimento deixasse de ser só um momento de ternura, de intimidade e agradecimento da sua Mãe, para passar um dia de agradecimento por parte de tantos quantos O veneram como o Messias Salvador.
O mundo mudou e mudou desde então, a sociedade transformou-se numa ânsia consumista de tal forma intensa que as prendas que se trocam no dia de agradecimento pelo nascimento do Menino passaram a ser prendas trazidas do Polo Norte por um velhinho bonacheirão estilizado por uma marca de refrigerantes!
Mas haverá sempre uma Mãe a sorrir e a agradecer…
E o mundo mudou e mudou tanto, que o que está usado e tem pouca utilidade é deitado fora sem que haja tentativa de conserto!
Já não se cosem as meias!
Eu cresci numa época em que ainda de cosiam meias.
Aprendi a fazê-lo, e fi-lo algumas vezes porque era assim: ou cosia o buraco pequeno ou este alastrava e ficava mais difícil, ou impossível, o conserto. Depois, um dia, isso acabou! As meias rotas deitavam-se fora. Já ninguém cosia as meias, já ninguém remendava o buraquinho. Deitavam-se fora!
O mundo mudou, a comunidade mudou. Usar e deitar fora passou a ser a regra abrangente. Enquanto esta regra se cingia às meias rotas que já não se cosiam não teve grande importância. Mas generalizou-se, tornando-se numa espécie de moral omnipresente e, com esta generalização, com a banalização do usar e deitar fora, perdeu-se um pouco, ou muito, a noção do que é certo e do que é errado, do que se pode ou não se pode fazer uns aos outros: usa-se e deita-se fora. É aparentemente mais fácil, mas torna tudo mais duro. E ao tornar tudo mais duro, porque se perde a noção da ternura e do agradecimento, a resposta, a única resposta é a violência, a agressão e o desprezo e, como sabemos, a violência atrai a violência, a agressão e o desprezo atraem mais desprezo e mais agressão!
Perdemos a noção de que houve um tempo em que se cosiam as meias, em que se acarinhavam os pequenos presentes que o eram para a vida, em se guardavam as memórias mesmo que cosidas como as meias.
Perdemos a noção de que para sermos felizes basta nos lembrarmos que quando nascemos não há nada de novo senão cada um de nós, não há nuvens a se espantarem, ninguém enlouquece!
Basta nos lembrarmos que, para que o dia seja enorme, é suficiente toda a ternura dos olhos da nossa Mãe…
Ou nos lembrarmos da ternura com a saudade que fica quando a Mãe já não está!
Com a esperança de que ainda haja meias para coser, desejo
Um Santo e Feliz Natal a todos!