Cristos do Meu Natal
O meu Cristo de Natal
Não o vejo no presépio
Só lembrança está aqui.
O meu Cristo ia ali,
Simples pessoa, ser real,
Criança ou imigrante,
Do Minho ou Cabo Verde
- Já me lembro mal –
Com a lata de água gemia
A caminho do barraco
- Sem casa, o Cristo que vi.
A entrar no comboio o via
Esmagado, já sem caber
- Cristo viaja incómodo –
Protegia grávida onde ia
Outro Cristo por nascer
Meu Cristo esperou, cansou
Na paragem; vento, chuva bate,
Gelado tremia, criança pela mão
- Autocarro para casas de lata
Só às meias horas passa
E fica ainda longa marcha.
Telhal. Dez. 1973. Nova versão 2023
Tudo o que fizerdes ao mais pequeno é a mim que o fazeis(Mt.25, 32-46)
No banco do hospital o encontrei,
Esgotado por doença grave;
Três horas meu Cristo esperou
- Clínica a tempo pobre não tem
Chegou sua vez, meu Cristo se finou.
Desfigurado, vi-o atrás de balcão;
Não se reconhecia, tal a riqueza:
Rores de notas sobre o coração
- Nem ele vê os Cristos pobres;
Um Cristo dentro dele espera
Outros Cristos, à volta, conhecer.
Outros Cristos, muitos encontrei,
Mesmo deles desconhecidos:
Crendo só num Cristo morto
Cristos vivos seu Natal não tem.
Cristos deste meu Natal,
Uns de penúria, doentes,
Outros, virados do avesso,
Na abundância, «enfartados»;
Estes em barracas às escuras,
Aqueles, com luz e fogão,
Nas suas três casas de verão…
E com trevas no coração.
Que este Natal traga
A uns e outros luz divina
E lhes mude o caminhar.
Aires Gameiro