Dizer que alguém vai acabar no fundo do mar, como fez Carlos Rodrigues, é fazer uma ameaça física?
Na reunião planária da Assembleia Legislativa da última terça-feira, dia 12 de Dezembro, Carlos Rodrigues, deputado do PSD, em resposta a uma intervenção de Élvio Sousa do JPP, acusou-o de arrogância e previu um mau fim para Élvio Sousa. Carlos Rodrigues disse que o deputado do JPP “vai acabar mal. Vai acabar muito mal. Porque aqueles que se julgam melhores do que os outros acabam no fundo do mar.” Representará isto uma ameaça física e concreta do primeiro deputado ao segundo?
A intervenção de Carlos Rodrigues, feita em tom bastante alto e de dedo em riste, foi alvo de uma tomada de posição por parte do PPM-Madeira, assumida ontem, em comunicado de imprensa. O partido entende que as palavras do deputado social-democrata podem ser interpretadas “como uma ameaça à integridade física e até à própria vida de um ser humano”.
O tema começou, também, a ganhar relevo em vários espaços, nomeadamente na Internet, nas redes sociais e em blogues.
Para melhor se poder verificar o que aconteceu e as interpretações possíveis, vejamos o que afirmou o deputado Carlos Rodrigues.
“Já que o senhor deputado Élvio Sousa teve a indelicadeza de me apontar o dedo, eu também lhe aponto o dedo. Diga-me aqui, levante-se e diga, onde é que o senhor é melhor do que eu? Onde é que o senhor tem mais ética do que eu? Onde é que o senhor tem mais moralidade do que eu? Onde é que o senhor é mais representante do povo do que eu?”
“Do alto da sua baixeza, seja menos arrogante. E o senhor não tem direito absolutamente nenhum de apontar o dedo. O senhor deputado tem a mania, o senhor deputado tem a prosápia, o senhor deputado tem a arrogância, o senhor deputado não é dono da moral. O senhor deputado não é dono da ética, reduza-se à sua insignificância. Deveria de ter mais elegância.”
“O senhor deputado chama de bandidos, chama de corruptos. Vai acabar. E sabe como é que vai acabar? Vai acabar mal. Vai acabar muito mal. Porque aqueles que se julgam melhores do que os outros acabam no fundo do mar.”
Tentámos encontrar nos discursos parlamentares de qualquer um das três assembleias legislativas nacionais, República, Açores e Madeira, outro momento em que um deputado se tenha referido a outro nos mesmos termos. É possível que exista, mas, se existe, não a encontrámos.
No meio mais alargado, o da linguagem diária do povo, na generalidade das vezes em que é usa a expressão ‘ir parar ao fundo do mar’, as pessoas referem-se a algo desagradável, mau, degradante. Mesmo quando a utilização é literal, como no caso do lixo marinho, que acaba no fundo do mar, as terras atiradas ao mar, os navios que naufragam, ou, só para exemplifica, a recente implosão do minissubmarino que visitava o Titanic.
Na poesia e na música, muitas vezes o “fundo do mar” é utilizado em sentido metafórico, como “no fundo do poço”, uma situação de sufoco, de esgotamento… de onde é difícil sair. Isto não impede que quem o desejar possa utilizar a expressão de forma literal.
No entanto, no caso em apreço, não há evidência suficiente de que o deputado Carlos Rodrigues estivesse a amaçar fisicamente Élvio Sousa. Mesmo que tomemos literalmente a afirmação do deputado social-democrata e aceitarmos que estava a ameaçar fisicamente Élvio Sousa, estaria d dizer que vai “acabar mal”, não se sabendo como. O que se ‘sabe’ é que “aqueles que se julgam melhores do que os outros acabam no fundo do mar”. Mas Carlos Rodrigues não disse que seria Élvio Sousa a acabar no Fundo do Mar.
Também não é de crer que Carlos Rodrigues, mesmo que exaltado, anunciasse a prática, a intenção de praticar ou o conhecimento de preparação de um crime contra a integridade e/ou vida de uma pessoa, durante um plenário da Assembleia Legislativa da Madeira. O mais plausível é que, discordando e rejeitando totalmente as práticas e palavras de Élvio Sousa, o deputado social-democrata tenha feito uma intervenção em que a parte final poderia ter sido substituída por um dos provérbios: “Quem boa cama faz nela se deita” ou “quem semeia ventos colhe tempestades”. Não deixa de ser um aviso, mas não necessariamente uma ameaça física.
Pelo exposto, não se pode concluir que Carlos Rodrigues fez uma ameaça física e concreta a Élvio Sousa, mas também não podemos afirmar com toda a certeza o contrário. Por isso, consideramos como imprecisas as afirmações de dizem que Carlos Rodrigues ameaçou fisicamente Élvio Sousa.
Só uma nota final para lembrar que a imunidade parlamente serve exactamente para este tipo situações, em que a linguagem, a forma e o conteúdo da comunicação dos deputados podem assumir características que, noutro local e contexto, poderiam, eventualmente, virem a ser consideradas criminais.