Será verdade que Rui Alves tem um longo historial de ataques ao Governo e a Albuquerque?
Nos últimos dias, o presidente do Clube Desportivo Nacional, Rui Alves, criticou o Governo Regional e o respectivo presidente, Miguel Albuquerque, a propósito dos apoios ao futebol profissional. Na festa do 113.º aniversário da instituição, acusou o executivo madeirense de não cumprir as promessas feitas e tratar o desporto como “o patinho feio da política”. Já em entrevista à RTP, o mesmo dirigente disse que Marítimo e Nacional correm o risco de extinção, tal como aconteceu com o União, e ameaçou “convocar as suas tropas” para fazer uma “intervenção política” para evitar esse destino. Será que estes ataques e avisos do dirigente desportivo são novos?
Rui Alves foi vereador do Urbanismo da Câmara Municipal do Funchal até Janeiro de 1994, saindo quando a equipa presidida por João Dantas deu lugar à vereação presidida por Virgílio Pereira. Em Julho seguinte veio a suceder a Nélio Mendonça na presidência do Nacional, cargo que ocupa até hoje, com um interregno no período 2014-2015, para se candidatar à presidência da Liga de Clubes. Já Miguel Albuquerque veio a assumir a presidência da Câmara do Funchal em Setembro de 1994, após a saída precoce de Virgílio Pereira.
É necessário fazer este enquadramento histórico pois remontam a esse período os primeiros ataques de Rui Alves a Miguel Albuquerque. Por exemplo, em Novembro de 1998 o presidente do Nacional deu uma entrevista ao DIÁRIO na qual criticou severamente a “manta de retalhos” e “embrulhadas” na política de urbanismo da autarquia, problema que fazia a vida “quase impossível a um investidor que quer trabalhar correctamente no Funchal”. Acusou mesmo o então presidente da Câmara de ser um subordinado do seu vereador Raimundo Quintal, o qual qualificou de "comunista". Nessa altura, anunciou a intenção de se filiar no PSD e confessou a ambição de voltar à política com o propósito de atingir “objectivos muito elevados”.
Penso que o dr. Raimundo Quintal é o líder ideológico desta Câmara [presidida por Albuquerque]. Fez com que governasse à esquerda, numa atitude um pouco miserabilista, de estar sempre a falar da população e não concretizar nada Rui Alves, em entrevista ao DIÁRIO em 22 de Novembro de 1998
Dez anos depois, quando o Funchal foi fustigado por um temporal em Abril de 2008, Rui Alves veio a público dar outra ‘alfinetada’ na autarquia liderada por Albuquerque: “O mau tempo foi antecipadamente anunciado pela meteorologia e as diversas entidades - Câmara, Protecção Civil e bombeiros - deveriam ter preparado em conjunto um plano de intervenção de emergência”.
Os ataques subiram de tom em Julho de 2012, quando o então vereador Pedro Calado rebateu a opinião manifestada por Rui Alves de que a CMF não apoiava o desporto. Na apresentação de uma regata de canoas, o autarca assumiu que a Câmara optou por apoiar “de forma exemplar” as modalidades amadoras e não o futebol profissional. O presidente do Nacional reagiu de forma violenta, convocando uma conferência de imprensa na qual disse que Calado era “um vereador a 'part-time'”, que “trabalha de manhã na candidatura de Miguel Albuquerque, à tarde na empresa do senhor Jorge Sá e não se sabe a que horas trabalha para o município para o qual foi eleito”. Acusou Albuquerque de mandar recados através de Calado e ameaçou “detonar” as ambições políticas de ambos. Nessa mesma conferência, Rui Alves regozijou-se com a saída do então director regional Jorge Carvalho, já que, segundo declarou, este introduziu medidas de corte financeiro para o desporto profissional que não estavam combinadas com Alberto João Jardim, sendo um “claro equívoco”, fazendo votos que para o lugar fosse nomeado alguém com “competência, percepção da dimensão do desporto na sociedade e verdade na palavra”.
Com Miguel Albuquerque há um completo divórcio do município do Funchal relativamente ao desporto e às suas instituições desportivas. Rui Alves, em 17 de Julho de 2012
Nessa ocasião, o presidente da CMF disse não ter intenção de fomentar diálogos com Rui Alves e confirmou a sua opção: “Os madeirenses sabem e têm consciência de que, neste momento, há outros problemas sociais mais importantes e bem mais graves a resolver do que o financiamento do futebol profissional”.
Miguel Albuquerque assumiu a Presidência do Governo Regional em Abril de 2015 e manteve a sua posição quanto aos apoios financeiros aos clubes de futebol profissional, pelo que continuou a ser um alvo de Rui Alves.
Em 16 de Novembro de 2017, o presidente do Nacional reagiu à redução dos apoios governamentais aos clubes, sublinhando que “a Saúde na Região não melhorou apesar dos cortes ao Desporto”. Falando à margem das comemorações do aniversário da Cidade Desportiva do Nacional, o dirigente confessou-se “chocado” com a forma como as reduções tinham sido anunciadas “pela comunicação social e com pouco diálogo com os clubes”, lamentando que “o edifício que foi construído pelos sucessivos governos” do PSD estivesse “no caminho da destruição”. O dirigente considerou ainda “inadmissível” o atraso nas transferências financeiras para os clubes.
Estas observações seriam reforçadas dias depois, na cerimónia de entrega de galardões do grupo ‘Os Alvi-Negros’. Usando como exemplo o Santa Clara, “que recebe mais 25% de subvenção pública e a tempo e horas”, o presidente dos nacionalistas lamentou que “na Madeira os clubes recebam apenas ao oitavo mês de competição”. “Assim, torna-se difícil manter a competitividade e as exigências”, acrescentou.
A Região, que durante muito tempo liderou no espaço nacional um conceito e uma visão de parceira muito grande entre as instituições desportivas e aqueles que nos representavam, vive neste momento um período de grande instabilidade, com a criação de um clima de desconfiança mútua que não abona para aquilo que nós entendemos que deve ser o futuro do desporto, espaço de realização de excelência do ser humano. Rui Alves em 24 de Novembro de 2017
A 7 de Maio de 2018, o presidente do Governo Regional recebia na Quinta Vigia a equipa alvi-negra, na sequência da subida à I Liga de futebol profissional. Na altura, Rui Alves fez um dos seus raros elogios públicos a Albuquerque: “Eu sinto que o presidente do Governo tem uma sensibilidade crescente. Tenho a certeza de que brevemente teremos uma grande reflexão sobre o impacto que o futebol profissional tem na economia da Região para desmontar de uma vez por todas aqueles que julgam que isto está a ser suportado pelos contribuintes. Não é verdade. O futebol profissional dá mais do que recebe e vale a pena pensar um pouco mais”.
Este ambiente de pacificação durou pouco. Noutro jantar do grupo ‘Os Alvi-Negros’, em meados de Outubro de 2019, após o Nacional descer novamente à II Liga, Rui Alves voltava a jogar ao ataque. Acusou o primeiro Governo Regional de Albuquerque de ter sido “líder nas descidas de divisão de clubes”, por força da redução do investimento público, denunciando que naquele mandato o desporto viveu “uma situação de algum atrofiamento no desenvolvimento”. Esperava, por isso, que não se repetisse a “má experiência” dos quatro anos anteriores.
Em Abril de 2020, a direcção do Nacional justificou a redução salarial do plantel do Nacional e a colocação de funcionários em ‘layoff’ com os atrasos na disponibilização das verbas do Plano Regional de Apoio ao Desporto (PRAD), no que diz respeito ao futebol profissional.
Ontem, numa entrevista à RTP-Madeira, Rui Alves manteve-se fiel ao registo que apresentou nos últimos 25 anos: “Tivemos a extinção de um clube centenário, que foi o União. E por este andar estamos a caminhar para mais duas instituições na Madeira [Marítimo e Nacional] seguirem o mesmo destino. Só que, oiçam isto, o Nacional não vai ser como o União. Ai não vai ser como o União. É que se o presidente do Nacional tiver de convocar as suas tropas para defender os interesses do Nacional, mesmo com intervenção política, vai fazê-lo. Eu não quero saber se um presidente do Governo, um presidente da Assembleia, um presidente da Câmara gosta ou não gosta de futebol. Isso é um problema dele. Ele está a representar o povo e se o povo gosta de futebol ele tem que representar esse povo”.