O preço da felicidade
Vivem-se dias de correria natalícia. Parece que, finalmente, as famílias carenciadas voltam a ter quem se preocupe com elas, assim como os sem-abrigo, as pessoas com dependências, os doentes... enfim, entramos naquela época misteriosa, onde o melhor de cada um parece vir ao de cima. Pergunto-me porque é que não se mantém ao longo do ano? O que será que acontece para que seja sol de pouca dura? Como seria se o pico de intensidade destes gestos, fosse repartido por 12 meses, em doses homeopáticas?
Depois, há aquela questão: “o que queres receber de presente?” e há também, comentários: “já tem tudo e um par de botas, vou dar-lhe o quê?” Acho sempre curioso concluir que afinal, quem tem tudo e um par de botas, muitas vezes não tem o essencial e vive numa insatisfação permanente, procurando através dos bens materiais, saciar um emocional ferido e gerar felicidade. Já lá estive, no passado. A fase da minha vida em que fui financeiramente mais abastada, foi simultaneamente a mais infeliz. Demorei anos a compreender que as viagens luxuosas, os bens-materiais que comprava e que me ofereciam eram uma espécie de tampão para esconder algo que começava a gritar para ser visto e resolvido. Demorou a ver e quando vi, voltei à vida que me define enquanto ‘Rita’ e que tanta alegria e felicidade gera em mim e nos que me rodeiam. São alguns passos desta filosofia que pratico e que acredito serem de grande utilidade, que partilho nesta crónica Essencial.
Há poucas coisas que me ofereçam tanto prazer quanto beber um chá ou cacau quente na mesa da varanda, ou à lareira, escutando o crepitar da lenha, uma reunião de família e amigos em casa, um jantar à luz de velas, ler um bom livro enroscada numa manta, um passeio a pé na natureza, escutar o som e o cheiro do mar... Podia resumir tudo a: aconchego e segurança.
Cresci, lado-a-lado, com uma avó que a única diferença entre ela e as amigas nórdicas, é ter nascido em Portugal e não ter os olhos claros. De resto, experienciámos sempre aquilo a que os dinamarqueses chamam: hygge (pronuncia-se huga). É uma espécie de aconchego consciente, da valorização de cada momento, rodeados de tudo e de todos os que amamos. De uma forma geral, é tudo aquilo que, humildemente, oferece conforto, uma vida plena e tranquila. A palavra hygge não tem tradução, à semelhança da palavra “saudade”. Mas a verdade é que este conceito, é uma filosofia e forma de vida, e estará, dizem os especialistas, na origem dos altos níveis de felicidade dos dinamarqueses.
Há anos entrevistei a Isabella Arendt analista no Instituto de Pesquisa sobre a Felicidade, em Copeganha, na Dinamarca. Este Instituto mede a qualidade de vida, examinando diferentes dimensões, como a cognitiva, afetiva e eudemónica. Não é de estranhar traduzirem-nos hygge para: “Quero ser feliz!”. É que quando decidimos ser felizes olhamos à nossa volta desde outra perspetiva e ao mudar a mesma, mudamos a nossa vida. Isabella explicou-me que rapidamente reconhecemos que encontramos conforto nas coisas mais simples e gratuitas do dia-a-dia. É uma filosofia que convida a regressar ao lado essencial e simples da vida, como o de fazer uma refeição em família (que é de resto, uma das prioridades hygge diárias) e sentirmo-nos bem no nosso lar.´
“Não há lugar como o nosso lar”, Dorothy, O Feiticeiro de Oz.
Quando somos autênticos, descobrimos que o hygge é algo espontâneo que reside dentro de cada um de nós. Até porque, a nossa natureza está estruturada segundo o princípio de gerar felicidade e vivenciá-la. Depois, no exterior, há um “estojo de emergência”, como me explicou a Isabella Arendt e que eu tão bem conhecia desde a minha infância:
• Velas
E luz ambiente suave.
• Chocolate de
qualidade
Não tem de ser dispendioso, basta um miminho para saborear de vez em quando.
• Chá
O meu agora é laranja e gengibre.
• Livros preferidos
Daqueles que nos fazem viajar e desaparecer por entre as páginas. Terminei há
dias “A Espia”, de Paulo Coelho, que evoca de forma magistral a vida da
magnifica Mata Hari, que nasceu à frente do seu tempo. Uma lição de força e de
liberdade.
• ‘Aquela’ série ou
filme de eleição
Continuo super fã da: “The Big Bang Theory”.
• Compota
Cresci com o sabor das
compotas caseiras da mãe e da avó. Que delicia!
• Um bom par de peúgas de lã
• Uma seleção da
correspondência preferida
O que dizemos deixa de ser existir assim que nasce, mas, com a linguagem
escrita, podemos ouvir, ler, palavras de há séculos e daqueles que nos são
queridos e estão longe ou já partiram. Reler cartas e postais antigos é uma
prática que aquece os nossos corações.
• Um pulôver quentinho
• Um caderno
Perdi a conta aos cadernos bonitos que tenho à mão. É maravilhoso pegar
neles, abrir e revisitar episódios passados.
• Papel e caneta
Para escrever aquele bilhetinho, com uma mensagem especial para os que
amamos.
• Uma boa manta
Tenho tantas, tão queridas.
• Música
Agora que o vinil é mais escasso, podemos fazer uma playlist, por exemplo,
no Spotify. A última música que inclui foi “Christmas Isn’t Christmas’,
Bonjovi.
• Um álbum de
fotografias
É das viagens mais reconfortantes que podemos fazer sem sair
do aconchego da manta e do abraço do sofá.
Agora, sim, as portas estão abertas à felicidade, de dentro para fora, sem lhe impormos condições ou expetativas, sem esperar por mais nada. É Natal!