A propósito da (inovadora) Miss Portugal 2023
O evento Miss Portugal, concurso de beleza feminino criado em 1959, que se realizava anualmente na capital, tinha, e presumo que continue a ter, o objetivo de eleger as representantes da beleza lusitana para o concurso Miss Universo.
Sempre estive convencido que neste concurso, as concorrentes que participavam, eram realmente mulheres, ou seja, portadoras dos cromossomas XX, ao contrário dos realmente homens, que são portadores dos cromossomas XY. Aliás, este certame, que sempre foi exclusivamente para mulheres, primou invariavelmente pelo rigor na seleção das candidatas, sendo-lhes inclusivamente negada a participação ou a desclassificação, se fossem identificadas operações plásticas (acho que entre outras, mantém-se esta exigência).
Fiquei, no entanto, a saber, estupefacto, que afinal um homem, com umas cirurgias e uns tratamentos celulares complementares, também é admitido no concurso, desde que, julgo, o trabalho de transformação corporal tenha sido feliz, na aproximação visual ao sexo feminino.
Esclareço desde já os(as) mais precipitados(as), que da minha parte, não está em causa qualquer postura preconceituosa ou transfóbica, porque convívio muito bem e respeito qualquer pessoa que decida dar um “uso diferente ao seu corpo”, seja ele qual for, desde que isso a torne mais feliz, pois isso melhorará com certeza, a sua relação com os outros e com o mundo. E mais, tenho um profundo respeito e compreensão acrescida, por todos aqueles e aquelas, que por um “erro da natureza”, vivem num corpo diferente daquele que é a sua tendência hormonal, e consequentemente mental, não refletindo a identidade sentida, condição conhecida por disforia de género, tornando o seu dia a dia uma vivência de muito sofrimento.
Coisa diversa, é baralharmos conceitos e realidades distintas, e assim confundirmos tudo. Fico até algo surpreendido, em como as mulheres, repito, portadoras dos cromossomas XX, aceitem a inclusão de um indivíduo transgénero, (pessoa respeitável), num concurso que lhes é destinado, sem que se manifestem a desfavor, quando é histórica a sua luta nos obstáculos que tiveram de enfrentar e ainda tem de travar, para adquirir direitos, que sempre deveriam ter tido.
Se se quer promover/realizar concursos de beleza para transgéneros, façam-nos. Podem-se misturar todos os transgéneros ou separar os concursos entre trans femininos e masculinos. É indiferente e aceitável. Não se queira é impor e normalizar essa realidade, fazendo batota, em eventos cujas regras diferem dessa condição.
E por favor, não se estimule e force a imposição do discurso do “politicamente correto”, sujeitando as pessoas a uma opinião que é minoritária, e que se põe em “bicos de pés” para se impor, remetendo todos aqueles e aquelas que não compreendem uma miss Portugal que é transgénero, para uma envolvência de radicalização, que quer arregimentar as pessoas, como se elas fossem cegas ou não pudessem ter opinião própria. Quem clama por tolerância, deve ter noção que deve proporcionar o mesmo espaço e em dose igual, a quem pensa diferente.
Por fim e em face das várias transformações na sociedade que nos últimos anos temos assistido e que se querem ditar e catalogar de normalidade, e que decorrem da (des) evolução dos tempos, deixem-me citar duas frases, uma muito recente, da jornalista e escritora espanhola Júlia Navarro (1953 - XXXX) a propósito do seu último livro “Uma História Partilhada”, numa entrevista à SapoLifeStyle, que diz: “vivemos numa sociedade orwelliana, em que nos dizem o que temos de pensar, o que temos de dizer, sendo essa a semente do fascismo”. A outra, mais distante, atribuída, mas sem confirmação, ao escritor e filósofo russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881), mas que encerra muita verdade e diz: “a tolerância chegará a tal ponto, que as pessoas inteligentes serão impedidas de fazer qualquer reflexão, para não ofender os imbecis”.
Mantenhamos os pés bem assentes na terra, porque há espaço para todos, dentro dos limites da razoabilidade.