Costa arrisca até 10 anos prisão
Saiba qual a moldura penal para os crimes de que o primeiro-ministro demissionário é suspeito
António Costa apresentou, na terça-feira, a demissão ao fim de quase oito anos em funções como primeiro-ministro, na sequência uma investigação sobre os negócios de exploração de lítio em Montalegre e Boticas e de exploração de hidrogénio verde em Sines.
Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), estarão em causa “factos susceptíveis de constituir crimes de prevaricação, de corrupção activa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência”. A punição prevista para estes crimes pode ir até aos 10 anos de prisão.
António Costa será investigado num processo autónomo pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Ou seja, será investigado num processo separado daquele que visa o seu chefe de gabinete Vítor Escária, o ministro das Infraestruturas, João Galamba e os restantes cinco arguidos implicados.
A PGR explicou que, no decurso das investigações, surgiu “o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos” no contexto dos negócios do lítio e hidrogénio que estão a ser investigados pelo Ministério Público. “Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente”, acrescenta o comunicado da PGR.
Assim – e conforme estabelece o artigo 11º do Código de Processo Penal – compete ao presidente do STJ “autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-Ministro e determinar a respectiva destruição”.
Tal como compete às secções criminais do STJ, em matéria penal “julgar o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro pelos crimes praticados no exercício das suas funções”. E ao Ministério Público, afecto ao STJ, investigar os titulares dos mesmos cargos públicos referidos.
É também por isso que este inquérito decorre no Supremo, no chamado foro especial. Porém, a partir do momento em que Costa deixe de ser primeiro-ministro, esse mesmo inquérito pode vir a ser anexado ao “principal”, a decorrer no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).
Refira-se ainda que o comunicado da PGR não deixa claro se a investigação que visa António Costa já foi ou não aberta, nem a sua natureza, sendo certo que este ainda não foi constituído arguido.
Algo que poderá nem vir a acontecer, conforme aponta Tiago Melo Alves. “Este processo já está a correr autonomamente no Supremo Tribunal de Justiça. Os factos estão bastante circunscritos e temos um visado que é primeiro-ministro. Este inquérito vai ser rápido. Os indícios são tão fracos, tão frágeis, que ele pode nem ser constituído arguido”, afirmou o advogado declarações à SIC Notícias, alegando que o processo pode acabar arquivado antes das eleições.
Já António Costa assumiu, na sua declaração ao país, ter sido surpreendido por esse processo, que desconhecia por completo. Não conhece os factos, os crimes, mas disponibilizou-se para colaborar com a Justiça.
Qual é a moldura penal aplicável?
Corrupção
O crime de corrupção encontra-se genericamente previsto nos artigos 372.º e seguintes do Código Penal, mas se for praticado por um titular de cargo político constitui igualmente um crime, nos termos dos artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (regula os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos).
O crime de corrupção passiva verifica-se quando o titular de cargo político que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicita ou aceita, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação. É punido com pena de prisão de 2 a 8 anos. Não obstante, se o acto ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o titular de cargo político é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
Também configura corrupção no âmbito de funções públicas o acto de quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, para que o funcionário pratique um determinado acto (corrupção activa).
Neste caso, o titular de cargo político é punido com pena de prisão até 5 anos.
Prevaricação
De acordo com o artigo 11.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, o titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de 2 a 8 anos.
Tráfico de influência
Pese embora, o crime de tráfico de influência não estar inserido no Código Penal na secção dos crimes de corrupção, este é perspectivado e estudado na lógica da praxis corruptiva.
Este tipo de crime pressupõe sempre o abuso de influência, seja esta real ou não. Assim, aquele que, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da respectiva influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública, nacional ou estrangeira, pratica um crime de tráfico de influência.
Assim, é punido na referida situação com: pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão ilícita favorável; pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão lícita favorável.
Por outro lado, também constitui a prática de crime de tráfico de influência a situação em que alguém, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial, aproveitando abusivamente a influência, real ou suposta, de determinado indivíduo perante qualquer entidade pública, nacional ou estrangeira. A punição pode ser de até 3 anos ou pena de multa se o fim for o de obter uma qualquer decisão ilícita favorável; e será por outro lado a pena de prisão até 2 anos, ou pena de multa até 240 dias, se o fim for o de obter uma qualquer decisão lícita favorável.
Agravamento e efeitos de pena aplicada ao primeiro-ministro
De realçar que, segundo a Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, a pena aplicável aos crimes previstos na lei penal geral que tenham sido cometidos por titular de cargo político no exercício das suas funções e qualificados como crimes de responsabilidade nos termos do artigo 2.º da presente lei é agravada em um quarto nos seus limites mínimo e máximo, salvo se a medida da agravação prevista na lei geral for mais gravosa, caso em que é esta a aplicável. No caso do crime de corrupção e recebimento ou oferta indevido de vantagem, a pena é agravada em um terço dos seus limites mínimos e máximos.
A isto acresce que, verificando-se a condenação definitiva do primeiro-ministro por crime de responsabilidade cometido no exercício das suas funções implica de direito a respectiva demissão (caso essa não se tenha verificado em momento anterior), com as consequências previstas na Constituição da República, além da possibilidade de ser aplicada pena acessória de proibição de exercício de cargos políticos, por um período entre os 2 e os 10 anos.