Encostados às cordas
A demissão do primeiro-ministro abre crise política e deixa vários madeirenses a fazer contas à vida
Boa noite!
As televisões deram folga às guerras. Talvez por mais do que um dia. Até porque o momento é inédito.
António Costa demitiu-se de Primeiro-Ministro. Mesmo tendo a maioria absoluta. Mesmo não sendo arguido. Mesmo que alguns seus próximos tenham sido apanhados em flagrante de lítio. Mesmo que seja óbvio que, num país em que a justiça é lenta nas decisões, mas célere no alarido, a função de primeiro-ministro não é compatível com a instauração de um processo-crime contra si próprio. Percebe-se agora melhor que o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, tenha denunciado sexta-feira passada, em entrevista ao ‘O Nascer do Sol’, a "corrupção instalada" em Portugal.
António Costa faz cair todo o Governo e assim, por arrasto, há alguns madeirenses apanhados pela crise política. Paulo Cafôfo ficará a gerir a secretaria de Estado das Comunidades até quando Marcelo Rebelo de Sousa quiser, pois cabe ao Presidente da República definir a data em que a demissão já aceite passa a ter efeitos. Duarte Caldeira Ferreira, membro do gabinete de Cafôfo, também é fustigado pelo vendaval, o mesmo acontecendo com os seis deputados eleitos no círculo da Madeira, que hoje deitam contas à vida, caso avance também a dissolução do Parlamento. Simultaneamente há uma legião de interessados que na Região se prontificam a integrar as listas que se seguem.
António Costa alega que foi apanhado de surpresa, o que é no mínimo estranho, a julgar por este elucidativo post.
Mas foi célere em tirar consequências da operação do Ministério Público e da PSP que lançaram mais de 40 buscas no âmbito do inquérito sobre o hidrogénio e o lítio, a mesma que apanhou o ministro Galamba que não deixou cair e gente de confiança do seu círculo de amigos e cúmplices.
António Costa assume desconhecer o processo do qual é alvo, até porque soube por uma nota do gabinete de comunicação da Procuradoria o que lhe espera. Mas garante que, em consciência, de modo geral, no exercício das suas funções, não agiu de forma ilícita ou censurável.
António Costa manifestou total disponibilidade para colaborar com a justiça "em tudo o que entenda necessário para apurar toda a verdade, seja sobre que matéria for". Tarde demais pois o julgamento já está feito, independentemente do resultado da investigação. E uma vez mais, com estrondo, lá se foi a presunção de inocência.
António Costa disse “olhos nos olhos aos portugueses” o que lhe ia na alma, e com dignidade assinalável, não deixou nenhum jornalista sem resposta. Por muito menos, lemos, vemos e ouvimos gente menos importante a fazer declarações insignificantes sem direito a perguntas.
António Costa abre um precedente sem paralelo nos altos patamares da política nacional, também visto nalguns círculos como uma proeza. Devia fazer escola no país esta lucidez de que há cargos públicos que não se coadunam com as suspeitas de corrupção ou de favorecimento. Por isso, quem estiver envolvido em casos similares, deve, com dignidade, seguir-lhe o exemplo.
O Presidente da República, que aceitou a demissão de António Costa, mesmo que só fale depois de cumpridas todas formalidades nestes casos, terá agora que ser consequente com o que afirmou a 30 de Março de 2022, ao avisar que nesta legislatura, apesar da maioria absoluta do PS, a eventual saída de António Costa do cargo de primeiro-ministro, que agora se verifica, levaria à dissolução do parlamento.
O País que desespera por soluções em vários quadrantes vai assim para eleições, sem que antes tenha dado passos concretos para evitar o caos cíclico, como bem lembra Alberto João Jardim no antigo Twitter. O ex-presidente do Governo “respeita” a demissão de Costa, mas julga que a decisão não altera nada em Portugal, dando a entender que a bandalheira vai perdurar enquanto não houver uma mudança de fundo na Constituição Portuguesa e no sistema político.
Para Jardim todos os partidos são conservadores e por isso optam por nada mudar, enquanto para Miguel Albuquerque estes episódios descredibilizam a política e as instituições democráticas e, sobretudo, favorecem os extremismos e os populismos. O certo é que crise gerada com a demissão de António Costa também encosta as finanças regionais às cordas. Basta que próximo orçamento do Estado, que já foi aprovado na generalidade em São Bento, fique sem efeito.