Relembrando: Moral e Ética
Confunde-se, assiduamente, Moral com Ética. E a verdade é que nem sempre é fácil saber, ou mesmo vislumbrar onde “a terra acaba e o mar começa”. A meu ver, a moral compreende as acções práticas do Homem e baseia-se em valores de comportamento, por vezes pouco claros e precisos, enquanto a ética abrange a reflexão teórica sobre os princípios onde estão assentes esses valores.
Enunciemos alguns preceitos fundamentais, hoje reduzidos a meros “clichés” e até certo ponto ridicularizados, mas que, pensando bem, deviam reger os nossos actos: “fazer o bem e evitar o mal” (S. Tomás de Aquino); “não faças aos outros o que não queres que te façam” (Confúcio); “a maior felicidade para o maior número possível” (John Stuart Mill); os “Dez Mandamentos”, etc.
Tomados a sério, estes preceitos conduzem-nos, inevitavelmente, a uma série de problemas interessantes, embora de difícil solução. Por outro lado, não é certo que uma ou outra “rabecada” de filosofia moral tenha o efeito - desejado mas talvez utópico - de transformar o Homem num ser melhor e mais responsável. Mas pode, todavia, ter o mérito de despertar nele o desejo e a vontade de reflectir, tornando-o, por conseguinte, mais consciente e mais crítico. O que já não seria nada pouco!
Atingimos um ponto da nossa Civilização onde tudo acontece a uma velocidade vertiginosa, onde todos querem “ir da segunda à quarta, sem passar pela terceira” (Albert Camus) e onde o Homem não tem nem pode ter tempo para parar e reflectir. Todos os dias, e a todas as horas, somos bombardeados com notícias de actos indignos, sangrentos, bestiais, atrozes e hediondos, cometidos por indivíduos que não são nenhuns monstros, mas sim seres humanos como eu e tu, leitor. Será que a intensidade e a quantidade de semelhantes notícias nos torna insensíveis? (O fenómeno nada teria de estranho.
Todos nós sabemos o que acontece, quando se castiga, durante um longo espaço de tempo, severa e repetidamente, uma parte qualquer do nosso corpo...) Há sessenta e poucos anos que nos flagelam os sentidos com descrições de crimes abomináveis, sem que, por isso, se note no Homem, na hora actual, qualquer desejo de “penitência”.
De facto, já nos trouxeram, pela mão, da Alemanha Nazista até Istambul, passando pelo Vietname, pelo Camboja, pelo Ruanda, pela Bósnia, por Jenine, pelo World Trade Center, pelo Afeganistão, pelo Iraque e agora por Israel e Gaza. Aonde nos levarão em seguida?
E que dizer da avareza e da cobiça, da caça ao lucro rápido e fácil, do tráfico da droga, do branqueamento de dinheiro, das “fugas” à justiça por intermédio de atestados médicos, dos crimes de pedofilia, e outros, praticados por sacerdotes da Santa Igreja Católica um pouco por todo o lado no mundo, do politicamente correcto?
Hoje, na era da globalização e da Inteligência Artificial o existencialismo de Sartre está ultrapassado, porque não funciona na prática e a ideia do “bom Estado” de Kant, embora realizável, deixou de ser realista. A existência do cidadão está submetida à ordem moral ditada pela economia de mercado, cuja essência é o frio cálculo e ameaça mesmo “ir da carícia branda ao afago inteiro”, sob o olhar impávido e sereno dos democraticamente eleitos.
Não existem receitas mágicas para a cura de todos estes males, alguns deles tão velhos como a existência do Homem sobre a Terra. Que isso não nos leve a depor as armas e cruzar os braços! Porque ainda há, em cada um de nós, uns restos de decência. E enquanto houver decência há esperança. O problema é que a decência, embora não seja sôfrega, exige alimento... Tentemos pois criar uma sociedade dentro da qual cada indivíduo se sinta útil e capaz de discernir o que é importante e o que é fútil na vida, enfim, onde seja fácil se reconhecer e se comportar como Ser suficientemente decente.
Asdrúbal Vieira