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Fact Check Madeira

Tem o Governo Regional possibilidade de sozinho fazer ou mudar leis?

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Na semana, que hoje termina, foi notícia a ilegalidade cometida pelo Governo Regional ao nomear para o cargo de directora da Direcção Regional de Saúde uma pessoa que não preenche os requisitos do mesmo, no modelo  actualmente definido pelo Decreto Regulamentar, que criou e definiu a orgânica daquele organismo. Na sequência dessa notícia e contrariando o que anteriormente havia dito, o Governo Regional, através da Secretaria Regional da Saúde, veio dizer que ira “proceder às devidas alterações à orgânica da Direcção Regional da Saúde, assim que legalmente possível". Mas terá o Governo Regional o poder de o fazer, sem passar pela Assembleia legislativa?

A resposta pode ser encontrada na Constituição da República Portuguesa (CRP), no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM) e na doutrina que vem a ser adoptada por órgãos do Estado, incluindo o Tribunal Constitucional.

Durante a pandemia por Covid-19, tentou o Governo Regional, na prática, ainda que não o advogando, equipar o seu poder de intervenção, no que ao território da Madeira respeita, ao do Governo da República para o continente. Mas as situações são muito distintas.

Apesar de serem dois executivos, têm poderes legislativos muito diferentes. O do Governo Regional da Madeira é quase insignificante, quando comparado com do Governo da República. Parte dos poderes legislativos que, no continente, são atribuídos ao Governo da República, na Madeira, estão entregues à Assembleia Legislativa e não ao Governo Regional.

Vejamos o que diz a CRP sobre a competência legislativa do Governo da República, no artigo 198º:

“1. Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas:

a) Fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República;

b) Fazer decretos-leis em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta;

c) Fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam.

2. É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento.

3. Os decretos-leis previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 devem invocar expressamente a lei de autorização legislativa ou a lei de bases ao abrigo da qual são aprovados.”

Já o artigo 231º, também da CRP, diz, no ponto 6.: “É da exclusiva competência do Governo Regional a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento.”

Sobre esta matéria, o EPARAM dispõe. No artigo 56º, sobre a Composição’ do Governo Regional, no ponto 3. que: “A organização e funcionamento do Governo Regional e a orgânica e atribuições dos departamentos governamentais serão fixados por decreto regulamentar regional.”

O artigo 70º do APRAM é sobre a “Forma dos actos do Governo Regional

1 - Revestem a forma de decreto regulamentar regional os actos do Governo Regional previstos nas alíneas c) [Aprovar a sua própria organização e funcionamento], na primeira parte da alínea d) [Elaborar os decretos regulamentares regionais, necessários à execução dos decretos legislativos e ao bom funcionamento da administração da Região] e na alínea h) [Exercer, em matéria fiscal, os poderes referidos neste Estatuto e na lei] do artigo anterior.

2 - Todos os actos do Governo Regional e dos seus membros devem ser publicados no Jornal Oficial da Região, nos termos definidos por decreto legislativo regional.

3 - Os decretos regulamentares regionais devem ainda ser publicados no Diário da República.”

Ora, esta é exactamente a competência legislativa relativa à orgânica e funcionamento do executivo madeirense a única autónoma do Governo Regional. Isto é, não depende de qualquer outro órgão. Na prática, tem a iniciativa e concretiza-a.

Ainda assim, como em qualquer outra lei regional, tem de passar pelo crivo do Representante da República, que a deve assinar e mandar publicar, devolver ao Governo ou enviar ao Tribunal Constitucional. Se devolver ao Governo, este pode pedir à Assembleia Legislativa da Madeira que o ‘adopte’ na forma de Decreto Legislativo Regional, fá-lo através da sua capacidade de propor decretos legislativos ao parlamento. Daí em diante, segue o processo normal de decreto legislativo regional.

No entanto, o Governo Regional também pode produzir outras leis, outros decretos regulamentares, mas já não depende só de si. Depende do parlamento. Quando a ALM produz decretos legislativos regionais em que prevê a regulamentação posterior pelo Governo Regional. Por exemplo, todos os anos, é produzido um decreto regulamentar sobre a execução do Orçamento da Região, que é previamente aprovado como decreto legislativo regional, pelo parlamento.

Há, no entanto, uma linha minoritária que entende que o Governo Regional poderia produzir decretos regulamentares, além da sua orgânica e funcionamento, sem depender de outro órgão, desde que resultassem das competências de executivo consagradas no EPARAM.

A esse propósito, será interessante ler o que defendeu Arnaldo Ourique, em 2007.

REGULAMENTOS INDEPENDENTES DO GOVERNO REGIONAL

REGULAMENTOS INDEPENDENTES DO GOVERNO REGIONAL por Arnaldo Ourique* * Mestre em Direito, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 2 Este texto, Regulamentos independentes do governo regional…

De resto, o Governo Regional pode fazer propostas de decreto legislativo regional à Assembleia Legislativa da Madeira. Mas, ao contrário do que acontece entre a Assembleia da República e o Governo de Lisboa, a ALRAM não pode autorizar o Governo Regional a legislar em matérias que são da sua (ALRAM) competência.

No entanto, estes aspectos - a produção autónoma de legislação sobre assuntos que não tenham a ver com a sua constituição e funcionamento e a capacidade de propor leis - não alteram a avaliação da questão inicial: Pode o Governo Regional legislar livremente, no caso em concreto, no que diz respeito à orgânica da Direcção Regional de Saúde? Pelo exposto, a resposta é inequívoca. Pode. É a única área em que pode legislar livremente, apenas, como é natural, tendo de respeitar a CRP e o EPARAM.

O Governo Regional pode legislar autonomamente (sem depender do parlamento ou qualquer outro órgão) sobre a sua composição e funcionamento.