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O mês das aluviões

O que fazer para que estes dramas não se repitam? Só existe uma solução: confiar nos instrumentos de ordenamento

Os primeiros povoadores encontraram na Madeira uma floresta densa que, no início do povoamento, foi necessário desbastar para o plantio dos cereais. A Ilha, como seu próprio nome atesta, era toda ela um rico reservatório do valioso recurso que ao longo de muitos séculos vinha alimentando as sociedades medievais: a madeira. Recurso que se ia esgotando no continente europeu e que, inevitavelmente, o teria condenado ao desastre não fora a descoberta dos caminhos do “novo mundo” no dealbar da Idade Moderna. Na verdade, a civilização medieval dependia da madeira para quase tudo: construção, móveis domésticos, instrumentos de trabalho e, a somar a isto, a lenha – único combustível para a confecção de alimentos, o aquecimento das casas e a produção das oficinas.

De tal sorte que, quando a monocultura da cana tomou conta da costa sul e o Funchal do ciclo açucareiro começou a crescer, já as madeiras para a construção chegavam, vindas por mar, do “detrás da ilha” como então se dizia. Ainda assim, a sua abundância era tal que, em inícios do século XVI, como refere Aragão, no estaleiro de obra da Alfândega os andaimes eram em madeira de til! Reservava-se então o vinhático para os sobrados e o cedro para os tectos. A cargo de mestres carpinteiros como Pêro Anes – o autor dos tectos de alfarge da Sé – estava o assentamento de soalhos, asnas e travejamentos de telhados, moldes para o talhe da pedra, cimbres, andaimes e os complexos sistemas de guindagem que cada obra exigia.

Foi esta civilização, que dependia da madeira para a construção civil, naval e tantos outros usos, que esteve na origem da progressiva desflorestação da Ilha, em particular da sua costa Sul. Assim se foram agravando as aluviões que, nas encostas onde o antigo coberto vegetal desaparecera, arrastavam para o mar o que encontravam pela frente dentro e fora do leito das ribeiras. Se excluirmos a de 20 de Fevereiro de 2010, duas das mais trágicas tiveram lugar a 9 de Outubro 1803 e a 29 de Outubro de 1993 – exactamente o mês que acaba de passar.

O que fazer para que estes dramas não se repitam? Só existe uma solução: confiar nos instrumentos de ordenamento e planificação do território. São eles que nos dizem onde construir, onde plantar e o que devemos construir ou plantar. É, pois, essencial que nas equipas que os elaboram estejam presentes aqueles que, nas suas respectivas áreas, melhor conhecem o meio insular. O que, infelizmente, nem sempre tem acontecido.