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S. Miguel nos acuda!

Alguns leitores hão de estar lembrados do caso do navio S. Miguel, um cargueiro da antiga Sociedade Geral, que foi adquirido pela Marinha Portuguesa em 1986, como navio de apoio logístico. Pela idade, e por inadequação, foi decidido afundá-lo com um carregamento de munições obsoletas da Marinha, Exército e Força Aérea. Por qualquer razão, o navio, em vez de se afundar suavemente como o previsto, explodiu com a sua carga – um abalo detectado a milhares de quilómetros, que só por acaso não abateu um avião da FAP que monitorizava a operação. Sucedeu isto porque, durante decénios, tinham sido cuidadosamente guardadas nos paióis munições velhas e inúteis, à espera de decisão.

Vem isto a propósito de uma notícia publicada, com alguma relevância, informando que os EUA e os países da União Europeia (EU) não conseguiam fabricar munições de artilharia em quantidade suficiente para garantir a sua própria segurança e abastecer a Ucrânia.

Isto tem muito a ver com o tipo de guerra que ali se pratica. Não é preciso ser especialista para ver que se trata de algo parecido com um combate de posições, lembrando a I Guerra Mundial e a regra de então “a artilharia conquista, e a Infantaria ocupa”. O que exige um consumo de munições de todos os tipos (peças, obuses, morteiros, foguetes, mísseis, drones) em quantidades mais do que industriais.

Recordemos que, no início de 1915, a Inglaterra ficou sem possibilidade de iniciativa, por falta de munições – isto num país com a sua capacidade industrial!

Ora, quando se fazem munições, na previsão de uma guerra, calcula-se a quantidade necessária a ter disponível até que a mobilização industrial entre em funcionamento. Suponhamos uma reserva para trinta dias de operações, o que dá um volume que poderá ir aos milhões, conforme o tipo de munição.

O que fazer com este cenário? Normalmente, classificar as munições por anos de validade, dividir a reserva por esse número, e adquirir, em cada ano, o volume correspondente. Nem é preciso Álgebra: basta a Aritmética. O que “sobra” deve ser gasto na instrução, desmontado, ou vendido para fora. E é aqui que mora o perigo: dado que é mais barato disparar uma munição do que desmontá-la, a tentação é vendê-la. Resta saber a quem.

Além da guerra das munições, há a guerra dos comunicados. Já vimos anunciar que a Rússia tinha falta de munições, e que as tinham adquirido na Coreia do Norte. Um bom negócio para os norte-coreanos: vendem as velhas, recebem novas. Agora, parece que faltam no Ocidente. Quem tem razão?

O dilema dos EUA, NATO e UE é saber quanto tempo dura a guerra, e como irá evoluir. A confissão pública de falta de munições é a prova do desinvestimento, sobretudo europeu, nas indústrias de defesa.

Se produzirem a menos, comprometem a segurança colectiva; se produzirem a mais, haverá excedentes, para exportar ou destruir.

Em qualquer dos casos, que S. Miguel nos acuda!