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Crónicas

O bom, o mau e os contorcionistas

Pedro Nuno Santos é a síntese das últimas lideranças do PS. De Guterres, herdou a humildade desbragada, que lhe permitiu apresentar-se ao País como um mísero neto de sapateiro. De Sócrates, ficou o gosto pela imagem e a facilidade no discurso, que justificam a sua reinvenção como visionário salvador da pátria. E, de António Costa, reteve a informalidade na governação, que o levou a decidir a indemnização a Alexandra Reis pelo Whatsapp e a escolher a nova localização do aeroporto sem antes avisar o primeiro-ministro. Concluindo, à esquerda, nada de novo.

O bom: Filipe Sousa

Tudo está bem quando acaba bem. A briga fratricida, que dividiu Santa Cruz, conheceu o seu epílogo. Tudo não terá passado de um mal-entendido, de uma infeliz falha na comunicação. Afinal, Filipe Sousa não queria ter sido o primeiro na lista às regionais, bastava-lhe ter sido segundo. Bem vistas as coisas, o lugar nem seria para ele, mas apenas para projetar o partido. A desavença por um lugar resolveu-se, sem grande surpresa, com a promessa de um lugar alternativo. Em vez da Assembleia Regional, a escaramuça partidária, com recorte familiar, esfumou-se à conta da miragem de um lugar na Assembleia da República. O final feliz permite que todos cantem vitória. O Juntos pelo Povo despacha o presidente hostil para Lisboa e Filipe Sousa arranja maneira de continuar na política depois de 2025. Tudo feito, como não podia deixar de ser, com enorme abnegação pessoal e em resposta a um sobressalto popular impossível de recusar. No partido fundado pelos irmãos Sousa, cultiva-se um desdém confesso pela política, prega-se um desprezo profundo pelos cargos políticos e disparam-se repetidos impropérios contra os políticos. Mas ainda assim, eles lá andam. No caso de Filipe Sousa há 30 anos. Por essa carreira política, casta e imaculada, o atual edil de Santa Cruz não merecia o vexame de um quinto lugar na lista. Filipe Sousa é, como o próprio admitiu na RTP Madeira, um político diferente dos outros. É frontal, espontâneo, direto e avesso a jogos partidários – um verdadeiro querubim da política madeirense. É um político tão completo que atingiu o zénite de referir-se a si próprio na terceira pessoa. Por tudo isso, Filipe Sousa merece o empurrão fraterno para chegar a Lisboa. Afinal, sendo o fim doce, que importa que o começo amargo fosse?

O mau: Lucília Gago

Passaram-se quase vinte dias, desde que o País submergiu numa crise política precipitada por uma investigação judicial. É inacreditável que, desde então, o único esclarecimento público (à exceção do afamado comunicado) da Procuradora-Geral da República tenha sido proferido, à pressa e sob pressão, à saída de uma conferência sobre violência doméstica. É certo que a investigação criminal não aconselha à publicidade desmesurada, no entanto é difícil fazer pior do que Lucília Gago. A declarada impunidade do Ministério Público foi pontuada com a lamentável frase: “Não me sinto responsável por coisa nenhuma”. A Procuradora-Geral referia-se à demissão de António Costa. Ainda assim, é inevitável que quem a ouviu a tenha entendido como um distanciamento pessoal de uma investigação mal conduzida ou, na pior das hipóteses, como um auto de fé sobre a omnipotência sem regras do Ministério Público. É normal que uma investigação não termine em acusação? Claro que sim. É normal que uma acusação redunde em absolvição judicial? Claro que sim. Justifica-se uma investigação criminal à atuação de um Governo, incluindo ao Primeiro-Ministro? Obviamente que sim. Essa investigação dispensa um esclarecimento público? É claro que não. O grande equívoco é pensar-se que o Ministério Público atuou desta forma impune apenas na Operação Influencer. Basta recordar as buscas inenarráveis à casa de Rui Rio, os sete anos sem arguidos (mas com muitas fugas) no caso “tutti fruti” ou os mais de dez anos sem qualquer acusação no caso “Monte Branco”. À medida que o processo judicial é substituído pelo processo mediático e o julgamento público não permite defesa, percebemos no enorme problema em que estamos metidos. Terá Lucília Gago alguma coisa a dizer sobre isso?

Os contorcionistas: Partido Socialista

Mortal à retaguarda com dupla pirueta e meia. Não há, em ginástica, manobra mais perigosa. Em política, é apenas mais um dia na tradição de contorcionismo e incoerência do Partido Socialista. No PS, os princípios da véspera sucumbem sempre à conveniência da eleição seguinte. Foi assim na proposta de aumento do IUC pela “justiça social”, seguido pela eliminação do mesmo aumento também pela “justiça social” e redundando num desconto no IUC para os carros mais antigos – imagine-se! – por conta da “justiça social”. Não se pense, no entanto, que os dotes para os mortais à retaguarda são um exclusivo dos socialistas continentais. Na Madeira, há praticantes talentosos da arte da pirueta política. O Governo da República criou um imposto extraordinário sobre o alojamento local aplicável à Madeira. O PSD propôs, sem sucesso, a não aplicação na Região. Passados alguns meses, o PS, em jeito de mortal encarpado à retaguarda, propõe isentar o que antes tinha decidido criar e recusado acabar. Eis o auge da auto-suficiência partidária. O PS cria o problema, encontra-lhe uma solução e ainda chama a si os louros por tudo ter sido resolvido.