O mérito da recomendação
Jornalistas são aconselhados a não se colocarem a jeito, ou seja, ao serviço de estratégias judicialistas
Boa noite!
No último debate da semana da TSF-Madeira, emitido em directo na passada sexta-feira, Ricardo Vieira deixou um apelo pragmático à comunicação social e aos jornalistas, de modo a que “metam os olhos e critiquem tudo aquilo que lhes chega às mãos, nomeadamente quando vier do Ministério Público”.
Tomámos boa nota. Até porque neste contexto, eis que hoje surgiu uma recomendação do Conselho Deontológico (CD) do Sindicato dos Jornalistas que repudia a forma como vários meios de comunicação social divulgaram escutas resultantes da investigação do Ministério Público no caso Influencer, quer transcrevendo-as, quer tratando-as como matéria noticiosa”, considerando que foram sujeitas, por vezes, "a um rudimentar tratamento jornalístico".
Para que conste, “o tratamento crítico da informação é um procedimento e uma exigência ética essenciais para que os jornalistas não se coloquem ao serviço de estratégias judicialistas de quem quer que seja”, alega o CD. Uma independência perante os poderes que deve implicar, entre outras cautelas, “a recusa da publicação de dados ou aspectos pessoais das pessoas investigadas que nada acrescentam aos factos já conhecidos ou que não sejam pertinentes para compreender o objecto da investigação”.
Objectivamente, e porque importa não generalizar, o CD não se debruça sobre se a publicação do conteúdo das escutas telefónicas pelos órgãos de comunicação social, deve ser, por si só, proibida e constituir crime. Se estamos perante uma violação do segredo de justiça e por parte de quem. Se se justifica um processo contra os alegados prevaricadores, protegidos ou não pelo dever de reserva. Contudo, presume-se que o CD mantenha em vigor a alínea do código deontológico que “o jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos, excepto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende”.
A recomendação do CD apanha boleia de várias contestações em curso. Hoje, num artigo no Público, a procuradora-geral adjunta Maria José Fernandes, sem se referir a Operação Influencer, questionou como foi possível chegar até "à tomada de decisões que provocaram uma monumental crise política". Sexta-feira no Expresso, Miguel Sousa Tavares acabou por confirmar a convicção da semana anterior, de que “vários magistrados do Ministério Público confundindo diligências de governantes com indícios de crimes de corrupção e intervenções para desbloquear procedimentos com crimes de tráfico de influências, decidiram, leviana ou conscientemente, derrubar um Governo eleito pelos portugueses”. Isto porque ao ter acesso à famosa “indiciação” do MP “que esteve na base de toda a operação causadora do terramoto político a que o país foi condenado a assistir — como sempre, generosamente tornada acessível com o objectivo de alcançar o pré-apoio mediático às aventuras judiciais do MP”, entendeu estar perante um “inaudito “golpe de Estado” do MP — não apenas leviano mas maturado durante quatro anos, ponderado, com um timing irresponsável mas bem escolhido e consumado com o beneplácito da senhora procuradora-geral da República”.
A recomendação do CD até pode alimentar mais polémicas sobre o folhetim em curso. Mas tem pelo menos um mérito. Serve também para esclarecer os políticos que se mostram incomodados com o ‘fact check’ e afins, como se fossem donos de toda a verdade, não tolerando o contraditório ou convivendo mal com a crítica, que a nobre missão de informar de forma séria, rigorosa e verídica implica filtrar e questionar, escrutinar e esclarecer.