Mais arrojo e a perigosa herança de Costa
Miguel Albuquerque arranca para o seu terceiro mandato com bons indicadores económicos sobre a mesa. Disso mesmo deu conta no arranque do debate do Programa do Governo, que passou sem dificuldade no crivo parlamentar perante uma oposição ‘fofinha’ e sem rasgo. Só a título de exemplo, foi desastrosa a intervenção inicial do ainda líder do PS-M. A hecatombe eleitoral ainda não entrou na cabeça do demissionário Sérgio Gonçalves. Não fosse a inflação e o presidente do Governo traçaria um cenário paradisíaco da Região, como se não subsistissem graves problemas sociais a carecerem de intervenção rápida. Apesar de a propaganda oficial em sentido contrário, a carga fiscal sobre as famílias e empresas é ainda excessiva, mesmo que se estenda ao 5.º escalão do IRS o máximo do diferencial fiscal permitido às regiões autónomas (-30%).
Trata-se de uma medida justa e que vai abranger um grande número de contribuintes, aqueles que têm um rendimento colectável anual entre os 20.700 euros e os 27.146 euros, aumento previsto no Orçamento do Estado para 2024. No debate da semana passada, Albuquerque deixou a porta aberta para que o diferencial seja progressivamente alargado aos escalões mais altos. Deveria ser mais corajoso e abrir já o leque, porque é agora que as pessoas precisam de ajuda e porque é agora que os cofres da Região têm mais dinheiro proveniente exactamente dos impostos. Está na altura de garantir o retorno e permitir um maior poder de compra à população da Madeira, que se encontra, neste item, miseravelmente atrás dos Açores e do continente, como revelam dados recentes do INE.
Irreversível é a sua posição sobre a redução do IVA. Nesta questão Albuquerque tem toda a razão, por mais que isso custe à oposição. A descida daquele imposto não teria impacto no bolso dos contribuintes e provocaria um rombo nos cofres públicos. Nenhum governo mexe de bom grado nas taxas do IVA. Mesmo no caso dos produtos alimentares taxados a zero, a diferença sentida pelos consumidores é muito reduzida. E são esses consumidores que desesperam com a violência dos preços de quase todos os bens, com o empréstimo da casa e com todas as restantes obrigações. É para esses que o Governo Regional tem de olhar e acudir. A factura mensal de encargos é um pesadelo para a maior parte dos trabalhadores. Há que criar condições para que, no privado, as empresas consigam pagar salários mais justos, até porque temos trabalhadores cada vez mais qualificados que, se não conseguirem encontrar estabilidade aqui, vão procurá-la noutras paragens. Aos que andam com a ‘corda ao pescoço’, a maioria, perder tempo com a borga política em torno do projecto do teleférico do Curral das Freiras ou com o famigerado ferry para Lisboa, é gozar com quem tem cada vez menos dinheiro disponível na carteira.
2. António Costa teve tudo e deitou tudo a perder. Parece inglório, mas podemos resumir desta forma as últimas semanas no País que deu uma maioria absoluta de 120 deputados a um político profissional e calejado. Independentemente de ser ou não acusado pela Justiça e das críticas que possam ser feitas à actuação do Ministério Público, a nível político o último governo de Costa foi um desastre. Não inovou, permitiu ajustes de contas partidários dentro do executivo, promoveu a ministros e chamou para colaboradores próximos gente sem escrúpulos e com passados nebulosos. Os acontecimentos que tomaram conta do governo envergonham os portugueses que não mereciam uma deriva tão acentuada de António Costa. Veremos se toda esta balbúrdia não abrirá a porta à entrada da extrema-direita na futura equação governativa. O ainda secretário-geral do PS ficará para sempre com esse ónus. Sem qualquer necessidade.