Jorge Miranda

“A democracia também tem de correr riscos. Não se pode deixar de admitir qualquer partido, a não ser que seja um partido que seja militarista. Agora, não é o caso. Portanto, tem de haver tolerância, mas, ao mesmo tempo, coerência democrática. Tem de haver a conjugação das duas coisas, o que é difícil, mas é indispensável. Os democratas têm de ser coerentes, mas, sendo coerentes, têm de ser tolerantes”

O Senhor Professor Jorge Miranda, numa entrevista ao Diário de Notícias de Lisboa, proferiu esta frase sobre o Chega e a sua hipotética ascensão a um lugar de influência no governo da Nação.

Tive o privilégio de ser aluno do Professor Doutor Jorge Miranda. Infelizmente, há cada vez menos gente a merecer, inteiramente este título, para além dos formalismos decorrentes da obtenção, cada vez mais vulgarizada, de títulos académicos; inclusive - soube nestes últimos dias - através de trabalhos, dissertações e teses elaborados com recurso à Inteligência Artificial.

Jorge Miranda, confirma nessa entrevista e na autobiografia que acaba de publicar, as suas enormes qualidades de ilustre académico e de homem público que se empenhou e teve papel determinante na construção das bases do sistema democrático que hoje vivemos.

Da sua entrevista – que merece ser lida com muita atenção, pelo menos por quem cultiva o mínimo interesse pelo estado da nossa democracia – retive, sobretudo, a frase que assinalei no início. Os valores democráticos implicam a tolerância, mesmo para aqueles que possam ameaçar a democracia.

Cinquenta anos quase a volver-se sobre o 25 de abril, revela-se que a democracia portuguesa soube conviver com partidos de génese e natureza autocrática como o Partido Comunista Português. Foi incluído no sistema parlamentar, concorreu a eleições, ganhou inclusivamente, a governação de municípios e freguesias, mas resignou-se, após o 25 de novembro de 1975, a aceitar as regras do jogo democrático. Foi perdendo, paulatinamente, eleitores e influência e persiste, agora, com pouca influência, na esfera política e, alguma preponderância, no anquilosado mundo sindical.

Em 1975, na decorrência das eleições para a Assembleia Constituinte, o PCP (com o seu aliado MDP) conseguiu 16% dos votos. Esta votação, aliada ao controlo sobre a maioria dos sindicatos e dos movimentos de base popular e ao apoio indisfarçado de algumas frações do Movimento das Forças Armadas, permitiu ao PCP ensaiar – colhendo os ensinamentos da Revolução Soviética - um arremedo de movimento revolucionário (no quadro do denominado PREC) que culminou no Cerco à Assembleia Constituinte, o qual visava condicionar a orientação constitucional a adotar para o país.

Esse golpe, felizmente, falhou! Também, felizmente, os autores do 25 de novembro e os políticos que os apoiaram, não decidiram remeter o PCP para a clandestinidade, proibindo-o. Foi, antes, incluído no quadro democrático e na vida parlamentar. Teve inclusivamente a oportunidade de apoiar, recentemente, uma opção governativa.

Com isto, voltamos ao Chega que era o partido a que o Prof. Jorge Miranda se referia. Quem acredita na democracia tem de admitir que o Chega exista e concorra a eleições. Até ver, não põe em causa o sistema democrático.

Não gosto das ideias e propósitos que o Chega apresenta; desconfio das suas práticas; mas nunca poderei defender que seja banido ou sequer colocado de lado no diálogo parlamentar. Existem e há uma parte do eleitorado que os apoia. Espero que esse suporte popular nunca passe de uma franja marginal e nunca seja de molde a condicionar, como o PCP no PREC, a vida política nacional, regional ou, sequer, autárquica. Receio, porém, que esta esperança seja frustrada, na medida em que o atual estado de coisas ameaça um incontrolável crescimento do populismo mais primário, ao ponto de pessoas que julgava equilibradas e sensatas, terem passado a reagir ao nível do “taxista” mais básico que remata todas as suas diatribes com o louvor a Salazar (que o Diabo o retenha, porque Deus, estou certo, não o acolheu).

Isto posto, nunca defenderei a proibição ou afastamento do Chega (já agora, de qualquer movimento, partido ou associação que se constitua em termos legais). Seguindo a lição do Professor Jorge Miranda, nem sequer concordo com a proibição constitucional de partidos fascistas ou congéneres. A democracia tem de ser superior a qualquer ameaça e nunca sobreviverá pela proibição. Sobreviveu ao estalinismo do PCP e sobrevirá ao neo-fascismo da extrema-direita. O povo português já demonstrou, mais do que uma vez, que quer viver em democracia e suporta bem os protestos que alguns vão lançando. Os “brandos costumes” que já nos apontaram como fraqueza, são afinal a nossa força.

Caberá ao PSD, partido que lidera a direita portuguesa, gerir o eventual crescimento do Chega, num hipotético quadro de vitória eleitoral com relevante aumento deste partido. Penso que a formação de uma frente eleitoral federando a direita democrática, associada a um líder carismático (seguindo o exemplo de Sá Carneiro e da Aliança Democrática, obviamente adaptado aos novos tempos), seria o suficiente para neutralizar essa ameaça. Resta saber se Luís Montenegro está preparado - porque não é esse líder carismático – para ceder o lugar a quem se venha a perfilar para ocupá-lo.

O tempo, no atual quadro político, é muito escasso. Veremos o que se sucede.

João Cristiano Loja