A desinformação e a misoginia
“Feinha”. “Burrinha”. “Gasta”. “Pindérica”. “Pinóquia”. “Mentirosa”. “Ladra”.
Uma pesquisa simples e nada exaustiva pelo nome das deputadas madeirenses à Assembleia da República na rede social Facebook devolve resultados com publicações de diferente índole com comentários que usam adjetivos ofensivos como estes.
Não faltariam mais exemplos. Contudo, antes de abordar uma temática sensível como a misoginia, é importante notar que a discriminação e os ataques em função do sexo não se limitam ao feminino. E, curiosamente, algumas vezes, estas práticas são da autoria das próprias mulheres.
O levantamento serve apenas para exemplificar um facto: qualquer situação pode ser desculpa para expressar um conjunto de nomes impróprios e fazer julgamentos às mulheres, sobretudo se estas desempenham algum cargo ou posição que tenha algum destaque ou se houver algum incidente que a fragilize de alguma forma. E isto certamente é o reflexo da suposta liberdade e desresponsabilização covarde que as pessoas por vezes encontram quando estão escondidas atrás de um ecrã.
O dicionário Priberam define misoginia como “aversão ou desprezo pelos indivíduos do sexo feminino” e, conforme resume a Wikipédia, convivemos com esta de várias formas, bem seja através da exclusão social, a discriminação sexual, a hostilidade, o androcentrismo, o patriarcado, a depreciação e a violência contra as mulheres, como através da objetificação sexual. Ainda, refere que na maior parte das sociedades islâmicas atuais, existe uma forte misoginia, com bases religiosas e culturais.
Na verdade, desde a antiguidade clássica, a misoginia foi uma constante. As mulheres, classificadas por Aristóteles como homens imperfeitos ou incompletos, estavam excluídas da vida política e social, tendo como principal função serem esposas obedientes, procriarem e transmitirem a cidadania aos seus filhos. A interpretação da Mitologia Clássica e a literatura da época não deixam margens para dúvidas: há uma profunda desvalorização do feminino a vários níveis, inclusive a respeito da sexualidade.
Também na sátira galego-portuguesa as cantigas deixam antever traços de repulsa ao feminismo: a mulher é escarnecida por aspetos estéticos e comportamentais. Temos, portanto, o ideal feminino medieval das mulheres belas e férteis a contrastar com as feias, velhas, rameiras, infiéis e feiticeiras.
Com o passar dos anos, a mulher conseguiu adquirir direitos e ganhar um estatuto diferente, não se admitindo determinados tipos de tratamentos ou comportamentos em relação a esta. Contudo, ainda estamos longe do ideal.
A par de alguns escândalos ao nível mundial, deixando de lado considerações sobre a justiça ou não das acusações, recorde-se que ainda recentemente o Presidente da República foi acusado de machista e misógino por causa dos seus comentários sobre o decote de uma jovem e que – ainda que num artigo bastante tendencioso porque dá voz essencialmente à oposição – a revista Sábado fez eco de um trabalho jornalístico regional que falava sobre a alegada misoginia do Presidente da Câmara do Funchal.
O que é indubitável é que as pessoas estão mais atentas, não deixando que se pise a linha. E subsequentemente há também mais cuidado para não ferir suscetibilidades.
No entanto, quando vemos certas atrocidades on line, por vezes, parece que retrocedemos muitos anos nas conquistas alcançadas. Vemos de tudo: desde insultos, ataques e assédios personalizados à utilização de trols para difundir conteúdos que comprometem a saúde mental, emocional e física das mulheres.
É assim que surge o termo “desinformação misógina”, para fazer alusão ao facto de as mulheres serem vítimas de hostilidade em espaços de interação virtual, ou seja, quando há sexismo digital ou desinformação de género.
A desinformação sobre as mulheres circula de várias formas, nomeadamente através de sátiras, paródias, contextos falsos ou enganosos e conteúdos manipulados ou fabricados. Este é um problema social porque provoca danos não só individuais, mas também coletivos, sendo mesmo uma ameaça à sociedade digital.
Algumas plataformas de fact-checking (não portuguesas) já fazem verificação específica sobre publicações misóginas, com o intuito de mitigar os efeitos das calúnias e das difamações, mas ainda há muito a fazer, nomeadamente pensar numa intervenção pró-ativa e não reativa, que passe pela responsabilização.